sexta-feira, 29 de julho de 2005

Contrastes II

Em extremos opostos da mesma enfermaria, dois casos nos extremos opostos do espectro possível no Puerpério.

Na cama 1 está a Vanessa. Acabou de ter um filho com o qual provavelmente não contava. A Vanessa tem 15 anos de idade, e acabou agora de ser mãe de um pequeno boneco, o seu primeiro filho. Como é alta conseguiu esconder a gravidez do mundo durante bastante tempo. Apenas no terceiro trimestre da gravidez a situação se tornou excessivamente evidente para que a família desse pelo sucedido. Assim, teve duas consultas médicas, fez apenas uma ecografia, e fez uma vez só as análises laboratoriais de rotina da gravidez. Felizmente nada de especial aconteceu. O bebé nasceu bem, está perfeitamente saudável, e toda a embrulhada acabou por se resolver da melhor maneira. A embrulhada que se segue é saber se a Vanessa, que ganhou o epíteto de mãe-adolescente, é capaz de educar convenientemente o bebé... Felizmente para os dois, a Vanessa estabeleceu uma boa relação com ele. Sorri, deliciada, quando lhe mostro que o seu bebé já sabe "andar". Pode ser que os instintos lhe incutam a responsabilidade que ela precisa de ter... Oxalá!

Na cama 4 está a Luísa. Tem o dobro da idade da Vanessa, mas uma experiência "gestacional" semelhante. O bebé que, atrapalhado, tenta perceber como se mama, é o primeiro filho da Luísa. É um bebé de ouro, ou seja, é o resultado de vários anos de tratamentos para a infertilidade. Provavelmente poucos filhos são tão desejados como os "bebés de ouro". A mãe sorri, quando uso a expressão, diz-me que de facto vale o seu peso em ouro. Teve 10 consultas médicas da gravidez, fez 8 ecografias e fez as análises de rotina dos três trimestres da gravidez. Felizmente teve a mesma sorte da Vanessa, tudo correu bem na gravidez e o bebé está óptimo. A Luísa sorri, aliviada, quando lho digo depois de "virar a criança do avesso".

Deixei a Luísa e a Vanessa entretidas a dar de mamar aos seus rebentos, ambos "trapalhões" na altura de mamar.

E assim acabei o meu estágio no Puerpério, na próxima segunda-feira vou para a Enfermaria de Pediatria. Não sem antes fazer um "banquinho" de Domingo... Ah, como vai ser bom estar fora das filas para o Algarve... Ou não?...

segunda-feira, 25 de julho de 2005

Maldades

Tenho estado a trabalhar no Puerpério. O Puerpério é o serviço onde são internadas as recém-mamãs e os seus recém-nascidos antes de terem alta do hospital. E, uma vez que estou a estagiar na Pediatria, o meu trabalho consiste em observar recém-nascidos. Aquelas que já são mães sabem bem do que falo... Eu sou aquele que diz "Bom dia mãe" e depois desata a virar o crianço do avesso, a faz berrar em plenos pulmões, ausculta, vira, palpa, vira, tira a fralda, estica as pernas, encolhe as pernas, põe a fralda, senta, deita, vira... Enfim... O objectivo é saber se está tudo bem (dentro de certos limites, claro) com o bebé. E depois, quando algo não está perfeito, tenho feito algo que julgei nunca vir a ser capaz: tirar sangue a recém-nascidos... De facto não é nada fácil, não só em termos emocionais mas especialmente do ponto de vista técnico. Naturalmente, as veias das criaturas são à sua medida: minúsculas. Mas enfim, com prática tudo se faz.

Daqui se explica o meu silêncio nos últimos tempos: tenho apanhado quase só crianças saudáveis - uma excelente vertente da Pediatria. E ainda bem que é assim...

terça-feira, 19 de julho de 2005

Gatos e Melancias

Como já devem ter percebido, isto tem andado um bocado parado por estas bandas... Enfim, alturas complicadas! Mas eu volto já...

Fiquem com o (único?) gato que gosta de mordiscar melancia. Será que lhe devia chamar Magali?


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sábado, 9 de julho de 2005

Viroses

Em resposta a um desafio da Sílvia na última caixa de comentários, decidi comentar o seu post "Lá vai uma, lá vão duas, três viroses a voar...". Mas, e porque acho que esta resposta é capaz de ser útil a muita gente, decidi comenta-la em forma de post. E também porque isto faz parte do dia a dia da Urgência de Pediatria, onde estive anteontem a diagnosticar viroses.

As crianças infectam-se muitas vezes. Que o digam os pais das crianças, que passam a vida a correr para o médico (nos consultórios, SAPs e Urgências Hospitalares) com as "espirrantes" e "tossidoras" crianças. Essas infecções ocorrem mais frequentemente quando a criança anda no infantário, na ama, ou simplesmente está frequentemente em contacto com irmãos ou primos em idade escolar.
Está, hoje em dia, generalizado na sociedade portuguesa que os antibióticos são a panaceia de todas as infecções. No entanto, convém explicar que os antibióticos só resolvem as infecções bacterianas, e aos vírus não fazem nem cócegas. Mais importante ainda do que explicar isto, é essencial que se perceba que a grande maioria das infecções nas crianças (e é de facto uma GRANDE maioria) são infecções virais. Os vírus que as provocam são vários: o Vírus Sincicial Respiratório, o Echovírus, Vírus Coxsackie de várias estirpes, Enterovírus, Adenovírus, etc, etc... Por outro lado, é importante também perceber que a ENORME maioria destas infecções virais são infecções sem quaisquer repercussões graves e autolimitadas (o que quer dizer que não há nada que possamos fazer para diminuir a duração da doença, podemos apenas diminuir os seus sintomas com anti-inflamatórios, anti-histamínicos, etc, quando justificável). E por esse motivo, não nos interessa saber qual é o vírus que provoca a infecção: qualquer que ele seja, há uma muito grande probabilidade que não tenha repercussões importantes que necessitemos de controlar de outra forma (desde aerossóis a intubação - mas não antibióticos).
Não se interprete do texto acima que os antibióticos nunca devem ser usados... Devem ser usados, sim, mas nas infecções bacterianas! E há muitos sintomas contados pelos pais e pelas crianças, e sinais obtidos na observação da criança que mostram se a infecção é viral ou bacteriana... Dessa forma, é possível com segurança decidir quando dar ou não um antibiótico. Naturalmente, há infecções bacterianas que nas fases mais precoces da sua apresentação parecem muito semelhantes às infecções virais. E são diagnosticadas, numa primeira observação, como tal. E é por isso que os médicos avisam que, caso a criança não melhore em 4/5 dias ou apresente algum dos sinais de alarme (que dependem da localização da infecção) a devem levar novamente ao médico. E aí, talvez as evidências da infecção bacteriana estejam presentes (ou uma infecção previamente viral sobre-infecte com uma bactéria) e seja necessário o antibiótico.
Por outro lado, há também infecções virais graves, mas que são em regra tão raras que costumam aparecer na televisão... Essas sim, podem justificar a identificação do vírus.

Por isso, um conselho a todos os pais que me lêem: não corram de médico em médico à procura daquele que "pelo sim pelo não" receita antibiótico (e, mais grave ainda, não peçam antibióticos na farmácia sem receita...). Os antibióticos não são livres de efeitos adversos, não são fármacos que se dêem de ânimo leve a uma criança pelas consequências nefastas que podem trazer. E, já agora, aquele que receita/cede o antibiótico sem indicação para tal está a cometer um erro, seja o médico ou o farmacêutico/técnico de farmácia...

terça-feira, 5 de julho de 2005

Pediatria

Comecei esta semana um novo estágio. Acabei o estágio de Cirurgia Geral, e iniciei o de Pediatria. Gosto muito de Pediatria (especialidade que aliás considero como uma opção a ponderar seriamente), mas Pediatria é uma especialidade muito complexa. Não se trata apenas de ver bebés bonitos e putos reguilas... A doença é, na criança, um evento terrível. Custa muito lidar com crianças doentes, especialmente quando estão doentes a sério. Não se trata apenas de ranhocas e vómitos (essa é a parte fácil), mas vê-los verdadeiramente doentes, a sofrer, não é para qualquer um. Será para mim? Não sei. O tempo o dirá.

O João é um miúdo muito bem disposto. Tem 10 anos, e veio hoje à Consulta de Pediatria do Hospital. Sorriu bastante ao longo da consulta, apercebe-se muito bem de tudo o que o rodeia. A avó, que cuida dele, é uma pessoa extremamente dedicada. Percebe-se, pela higiene e condição física do João. Conta-nos que (e não podemos deixar de sorrir destas pequenas coisas) o João se dá muito bem na escolinha dos "deficientes a motor". Tem aprendido, com a ajuda preciosa de um computador especial, muita coisa. Está no 5º ano de escolaridade, graças a esse computador. Apesar de todas as suas dificuldades, e o seu défice motor poderia ter comprometido seriamente a sua aprendizagem, conserva no interior daquele corpo deformado uma mente lúcida e brincalhona. Sorri de lado, com ar malandro, quando a avó conta que as "meninas lá da escola" se derretem todas com ele. O João tem Paralisia Cerebral. Trata-se de uma situação cujas causas nem sempre são aparentes, e podem ser diversas. No caso do João, compreende-se bem o que levou à sua situação. A mãe, toxicodependente heroinómana, consumiu drogas durante a gravidez. Isto levou a um atraso de crescimento intra-uterino e a outras complicações que, no final, resultaram na sua Paralisia Cerebral. Vale-lhe a avó. E entretanto vai crescendo, ajudado por homens e máquinas. Só se desvanece o seu sorriso quando a avó se pergunta, em voz alta, o que será dele quando ela morrer. Conta-nos ainda que o João encontrou a sua solução: irá com ela. Brincamos, dizendo que não é bem o mesmo que apanhar o autocarro... Mas o que o futuro trará para o João é incerto... No entretanto, vale-lhe a avó. E muito bem.

sexta-feira, 1 de julho de 2005

A cor das avestruzes modernas

É sempre bom descobrir amigos que andam a escrever pela blogosfera!

Apesar de eu não gostar de política, recomendo-vos uma visita a este meu amigo, que disserta sobre a cor dos vários animais (irracionais?) da política, e sobre outras coisas mais. Vão lá, nem que seja pelo seu excelente gosto musical.