domingo, 31 de agosto de 2008

No limbo

Quando nasceu pesava pouco mais de meio quilo. É muito pouco, de menos, e assustador quando pensamos que pesava tanto como meio pacote de leite (eu tenho esta mania de comparar tudo com pacotes de leite). Mas aquela pequena amostra de gente mostrava querer ficar entre nós, e num acto entre o heroismo e a piedade permitiu-se que assim fosse. A mãe, uma adolescente assustada, não tinha planeado nada daquilo. Saía completamente fora dos seus planos, e esconder a gravidez foi a solução que encontrou. Da mesma forma, continuava a desejar que aquilo não lhe tivesse acontecido. E nesse não (querer) amar, não fez análises, ecografias, não assumiu quaisquer outras formas de vigiar a gravidez. Não sabemos o que fez, ou o que aconteceu, para que às 23(?) semanas o bebé nascesse. Mas nasceu. Ela certamente não queria que ele nascesse. Queria que ele desaparecesse, que minguasse, que se escondesse, e, o ideal, que aquilo nunca tivesse acontecido. Mas nasceu. E, pior, chorou.




A perspectiva que tem um bebé no limiar da viabilidade (actualmente as 23 semanas), é muito complexa. A indução maturativa (administração à mãe de medicamentos para acelerar o amadurecimento dos pulmões e outros órgãos do bebé) e a administração de surfactante pulmonar vieram modificar muito a vida dos prematuros, trazendo-lhes uma esperança acrescida de vida. E quando se fala de um prematuro, não falamos só de vida ou morte. Falamos também (tema polémico e difícil) de QUE vida. A prematuridade extrema pode resultar em inúmeras sequelas, danos crónicos que no limite podem ser compatíveis com formas de vida muito frágeis. E portanto, não sendo Deuses, temos por vezes que nos confrontar com decisões extremamente difíceis. Investir, ou não, em salvar a vida de uma criança no limiar da viabilidade? Se investirmos em excesso estamos, nos casos limite, a prolongar a vida durante alguns dias ou semanas em condições miseráveis (tubos por todos os lados, apitos, barulhos, picadas, dor, medicamentos...), acarretando um sofrimento acrescido para os pais e bebés (e médicos...) absolutamente desnecessário. Por outro lado, em situações de fronteira, o excesso de investimento pode permitir a sobrevivência de crianças com quase nulo contacto com o exterior, com múltiplas doenças graves, com necessidade de múltiplos internamentos, com complicações atrás de complicações até que a vida se finde ao fim de alguns anos de tortura passados em camas de hospital. E se alguns deles são pelos corajosos amados (mas sempre com altos e baixos), outros são abandonados. Pareceria misericordioso, depois de corrida a tinta e espreitado o fim do livro, que se tivesse deixado pura e simplesmente a natureza seguir o seu curso, proporcionando o conforto necessário enquanto o coração se apagava. O problema é que nos falta a bola de cristal, e naquele momento nunca sabemos que tipo de vida estamos a - horrenda decisão - permitir ou impedir. E numa fracção de segundo, com três enfermeiros, um interno de pediatria, dois obstetras e um anestesista a espreitar por cima do ombro, decidir - não se crendo ou querendo ser Deus - a vida ou a morte de um ser humano. Quando o que na faculdade nos ensinam, o que as pessoas esperam de nós e o que nós queremos fazer é salvar vidas, a melhor atitude pode por vezes ser esperar, em sossego (e tumulto interior), a morte.

Três dias depois de ter nascido, depois de intubado, picado, repicado e medicado, e num aparato de apitos e alarmes, o bebé morreu.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Uma verdade soprada ao ouvido

Há dias em que sinto que nunca serei capaz de saber tudo o que faria de mim um bom Pediatra - especialmente aqueles dias em que estudo e leio artigos científicos, e me sinto burro e pequenino. Felizmente são poucos (devia estudar mais vezes, eu sei...). Mas os dias que valem mesmo a pena são aqueles em que me sinto capaz de tudo, feito para isto, e esses apagam os dias menos bons e enfiam-nos num saco. Esses dias não vêm quando estudo ou leio, mas quando estou no terreno, a "meter a mão na massa", a ver doentes, a pensar, a diagnosticar e agir*.

Naquele banco vi dezenas de "dores de barriga", e dezenas de dores de barriga enviei de volta para casa, com diagnósticos como "gastroenterite aguda", "obstipação", ou o brilhante diagnóstico "simples-dores-de-barriga-não-sabemos-porquê-mas-não-parece-nada-de-grave". Já ao entrar da noite, ao cruzar-me com a minha colega Paula no corredor comentei: "Hoje já vi dezenas de dores de barriga, tenho a certeza que algum volta amanhã com uma apendicite aguda. O problema é que não sei qual deles...". Ela sorriu, e seguiu o seu caminho. Sentei-me então no meu gabinete e chamei o Pedro.
O Pedro tinha 9 anos, e a ficha de triagem informava-me que tinha - surpresa! - dor de barriga. Ao ve-lo entrar no gabinete pensei: "Este miúdo tem uma apendicite.". Tinha qualquer coisa que não me deixou tranquilo (o tal "mau ar", termo subjectivo que detestava até me ver confrontado com a inevitabilidade da sua utilização, à falta de descrição mais assertiva), mas a história contada era inocente, e a observação do doente não era característica de apendicite. Os sinais clássicos não estavam lá, e tinha muito pouca coisa dos menos clássicos. Um conflito estabeleceu-se dentro de mim, entre o meu feeling pessimista e o meu lado racional - que não tinha nada a que se agarrar para deixar seguir o feeling. E enquanto a minha boca apressada explicava que ia pedir análises laboratoriais, uma voz soava-me na cabeça "Tu não és de pedir exames desnecessários, o que é que estás a fazer!?". O Pedro saiu, descontente com a ideia de ser "furado", e eu continuei a trabalhar.
Algum tempo depois chegaram as análises. Ao abri-las, uma surpresa: parâmetros infecciosos elevados. Pedi-lhe uma ecografia abdominal et voilá, lá estava ela. Foi operado, e resolvido o problema.

Os exames laboratoriais e de imagem devem, de facto, ser usados com critério rigoroso. Mas tenho vindo a aprender que nunca devemos menosprezar um feeling... Às vezes há alguém a soprar-nos a verdade ao ouvido... E isto de ser médico às vezes é dificil.

* Tens razão MM

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ando a cantarolar isto

Tive a sorte de assistir a uma "ante-estreia" desta música num mini-concerto da Mariza.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Erro de cálculo

A Anilde, uma linda menina negra de 4 anos, caíu. Fez uma ferida no meio da testa, não muito grande, e foi assim com os seus pais à Urgência. Depois de a convencer que colocar Steristrips não custava nada, coloquei as luvas.

Pergunta da praxe:

- "Então quem é que tem umas luvas iguais às minhas, assim branquinhas?"

- "..."

- "Dou-te uma pista: tem orelhas muito grandes e pretas!"

- "Ah! A minha tia Felicidade!"

Resolvido o problema, na fase das despedidas, fez uma cara triste e perguntou entredentes se eu não lhe ia pesar o coração. Disse-lhe que tinha a certeza que era muito grande e pesado. Vá-se lá entender.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Um confronto difícil

Durante toda a gravidez a Susana imaginou como seria o Pedro. Imaginava-o moreno, de cabelos lisos - como a mãe - mas tinha uma leve esperança que ele tivesse olhos verdes. Apesar de tudo o pai tinha-os claros, e na família da mãe - dizia a tia Micas - havia uns dois ou três primos afastados com olhos assim. E um moreno de olhos verdes é sempre especial. Imaginava como seria a sua voz, o seu choro até. Tinha planos para enormes passeios, pelos vários jardins da cidade, uma visita ao Oceanário quando fosse maiorzinho. De certeza que o Pedro ia gostar de peixes, o pai pescava nos tempos livres e a Susana tinha um quê de ambientalista. A Susana achava que o Pedro ia ser bom aluno, tinha uma série de estratégias infalíveis para que ele gostasse de estudar. Tinha pensado até em estimular-lhe o gosto pela música, umas aulas de piano talvez. A mãe dela avisava-a, meio na brincadeira, que as coisas podiam não ser assim, que o que importava é que viesse com saúde - mas recordava que na ecografia 3D tinha o perfil do avô, um homem de carácter sério. Só podia ser um homem a valer.
Um dia, depois de muito penar, o Pedro chegou finalmente. Era moreno, como a mãe previra, olhos ainda cinzentos e escondidos. Era sem dúvida diferente do que tinha imaginado - o perfil era o do tio - e limitava-se a chorar, mamar, e fazer as suas necessidades (um cocó verde escuro horrível que nunca tinha passado pelas fantasias da Susana, mas que era normal - dizia a Enfermeira). Mas era o bebé mais lindo que ela alguma vez tinha visto (as mães com que partilhava a enfermaria do puerpério diferiam da sua avaliação comparativa, mas isso que importava...). Era o seu bebé e, apesar de nada ter sido até então como tinha imaginado (e, que raio, como as amigas com bebés lhe tinham dito) estava serena e confiante. Esperava então a primeira visita dos Pediatras, mas como o Pedro tinha nascido ao fim do dia isso iria ficar para a manhã seguinte.

Pelas 9h00 daquele dia, a Dra. Inês (futura Médica de Família a estagiar em Pediatria no Puerpério) agarrou na craveira e na fita métrica e seguiu para a cama dois. Como aquele bebé, o "Filho de Susana ...", não tinha sido visto ainda cabia-lhe a tarefa de fazer um enorme rol de perguntas relativas à gravidez e parto. Tratava-se do primeiro filho de uma jovem de 25 anos, cuja gravidez tinha sido desejada, planeada e vigiada de forma adequada. Tinha todas as análises e ecografias normais, feitas nos tempos certos. Nada falhara. O parto tinha decorrido sem intercorrências de maior, e o bebé estava aparentemente bem, se bem que preguiçoso a mamar. Bebé despido para observar, começou pela auscultação cardíaca. Não conseguindo disfarçar a apreensão, explicou à mãe que lhe parecia ouvir um sopro e que ia pedir a opinião de um outro colega. A Inês chamou-me, eu tinha acabado de dar uma alta e podia naquele momento ir com ela. No corredor uma Enfermeira alertou-me: "O bebé da cama dois, além de estar preguiçoso para mamar, está um bocado hipotónico." Como era o mesmo bebé, fiquei um pouco mais preocupado, mais atento. Quando cheguei ao pé da Susana o seu olhar dizia tudo, não tinha brilho. Estava claramente preocupada, e antes sequer de poder observar o bebé fui bombardeado com perguntas. Expliquei que tinhamos que avaliar o bebé, com calma, e que só depois poderíamos adiantar mais coisas. A auscultação era claramente "não normal", e diferente da maioria dos sopros "inocentes" que ouvimos todos os dias em tantos bebés. Era provável que existisse mesmo um problema cardíaco, mas a sua natureza era incerta. Esta foi toda a informação que a Susana foi capaz de reter naquele momento. Tudo o resto que eu tinha para lhe dizer ia ter que esperar pelo dia seguinte. Expliquei-lhe que tinhamos que esperar algum tempo, para percebermos como evoluiam as coisas nas horas seguintes. Quando saí da sala a Susana chorava em silêncio.

Quando o Pediatra saíu a Susana começou a chorar. Tinha percebido que não seria assim tão simples como ali tinha sido dito, mas aquela informação era já demasiada para o que conseguia aguentar. O embate era grande, o bebé perfeito que ela tinha imaginado não existia. Tinha um problema, e talvez fosse maior do que estava preparada para admitir naquele momento. Durante o resto do dia a Susana dedicou-se ao seu pequeno. Afinal as mamadas seguintes correram melhor, e o bebé adaptou-se um pouco mais à mama. Conversou longamente com o João, o seu marido, e com a sua mãe, e ao longo do dia o confronto entre o bebé imaginado e o bebé real foi dando lugar a uma aceitação maior. Afinal, fosse o que fosse, aquele era o seu filho, o seu bebé, e ela tinha que ser forte "no matter what".

Quando no dia seguinte voltei a falar com a Susana senti-a diferente. Estava mais calma, e parecia estar já preparada para o resto. Voltei a observar o bebé atentamente, e expliquei-lhe que encontrávamos uma série de pequenas alterações físicas no bebé, cada uma delas com um significado muito pequeno por si. Expliquei-lhe que se cada uma delas viesse num bebé diferente nenhum deles merecia preocupação, e deles diríamos "não é defeito, é feitio!". Mas todas aquelas pequenas alterações juntas podiam significar mais alguma coisa. Era possível que algum defeito genético estivesse na base de tudo aquilo, como era - apesar de tudo - possível que fosse só mesmo "feitio". E só uma investigação feita com calma e em consulta, com a ajuda do passar do tempo, podia dar alguma resposta a todas as questões que se levantavam naquele momento. Contrastando com a reacção do dia anterior, vi nos olhos da Susana uma determinação paciente - a de amar o Pedro independentemente de tudo o que o tempo pudesse trazer. A diferença era abismal em relação à véspera: as pessoas às vezes precisam de tempo. Quando saí ficou a ler atentamente o que eu tinha escrito no boletim de saúde, onde enumerava as várias alterações encontradas.
Senti que de todas as coisas que eu disse houve uma que ficou a ecoar na memória da Susana: "Goze o seu bebé agora que estes tempos não voltam atrás. Deixe as notícias chegar, melhores ou piores, a seu tempo. Mas não adie a oportunidade que tem agora, enquanto elas não chegam.". Pelas piores razões, sei que vou ficar para sempre na memória daquela mulher.

Ontem à noite...

... houve eclipse lunar.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Estranhos corpos estranhos

Os miúdos são capazes de tudo pela emoção de experimentar algo novo. É a conclusão a que chego. E mais os miúdos, as miúdas têm mais tino e procuram aprender coisas sem se magoarem. É menos frequente, apesar de não ser raro, vermos uma menina com um bago de milho espetado no nariz.


O António tinha já 5 anos quando lhe apeteceu ver o que acontecia se um bago de milho das pipocas que comia ao lanche ficasse encravado na narina esquerda. O pai aflito levou-o à Urgência, depois de ele lhe explicar tranquilamente que, por nenhuma razão válida, tinha experimentado. Eu costumo perguntar "porquê", especialmente quando já têm idade para ter (um pouco mais de) juizo, mas nunca obtive mais que um encolher de ombros e um sorriso como resposta. Lá dentro daquelas cabeças deve haver uma explicação, alguma história mirabolante sobre um micro-submarino com micro-cientistas que entra pelos nosso orifícios para nos curar as maleitas mais ocultas (eu adorava filmes desses, ficava sempre fascinado com o aspecto do corpo humano por dentro - geralmente fruto de uma imaginação fértil e desprovida de qualquer ligação à realidade). No entanto essas histórias, como não fazem sentido no mundo dos adultos, ficam por contar e resumem-se num encolher de ombros envergonhado. Mas o António teve sorte. Pedi que se assoasse enquanto lhe tapava a narina direita e "POP", bago de milho cá fora. Pai envergonhado, "realmente não me lembrei dessa..."; miúdo repreendido, "nunca mais!"; pediatra discrente pensando que aquilo até não custou nada e o miúdo achou piada à cena.

A Maria era mais pequenina, tinha 2 anos. Foi com a mãe à Urgência porque tinha mau hálito. "Há vários dias, doutor, cada dia mais mal cheirosa. Tem que ser alguma coisa!". Conhecendo já bem a habitual tentação, espreitei pelo nariz. E lá ao fundo, bem lá ao fundo, qualquer coisa esbranquiçada com um ar esponjoso. Arranjei uma pinça bem comprida, própria para estas coisas, e apanhei-lhe uma pontinha. Devagarinho puxei, puxei (com os pais a agarrar muito bem na Maria - acho que até eu esperneava se me fizessem uma destas), e "POP", sai um pequeno cilindro de esponja branca. "Onde raio..." pergunta a mãe, mas mais um problema resolvido.

O Pedro teve menos sorte (mas a mesma dose de arrojo) quando tentou ver se uma peça de plástico que se tinha partido de um carrinho cabia no ouvido. O problema é que entrava mesmo à justinha. Saír é que nem por isso. De tal maneira que o Pedro, depois de uma pequena tourada para se deixar observar, teve que ser anestesiado no bloco operatório para a Otorrino lhe tirar o dito plástico. E quando depois de tudo isto lhe perguntei se tinha aprendido a lição disse-me "Não custou nada, estava a dormir...". Parece que a aprendizagem ficou para uma próxima.

A Olena tinha 8 meses quando a mãe lhe tentou dar pela primeira vez um feijão, descascando-o. No entanto ela não estava preparada para um alimento sólido tão precocemente na sua vida, e assim engasgou-se com o feijão, deixando a mãe de insistir com alimentos sólidos. Pareceria uma história simples, não fosse a Olena ter ficado, desde então, com dificuldade em respirar e com muita tosse. A minha observação da Olena não deixava dúvidas: ela tinha qualquer coisa, possivelmente o feijão, a obstruir um brônquio do pulmão direito. Algumas horas depois um Pneumologista com jeito para a pesca observava atentamente o dito feijão descascado na palma da sua mão, juntando-o à sua colecção de objectos retirados de brônquios mesmo ao lado do caracol.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O cheiro

Descrever cheiros é difícil. Os outros sentidos são mais fáceis, racionalizam-se mais. Os cheiros estão lá, e se podemos achar que nos são indiferentes, na verdade tocam-nos em zonas que não controlamos tão bem como a razão - as emoções. Parece bizarro, apesar de cientificamente correcto, mas o olfacto é o único sentido que tem uma ligação directa (anatomica e funcionalmente falando) com os centros da emoção no nosso cérebro. Por isso tocam-nos mais fundo, e de forma menos consciente.


Reentrar no bloco de partos, ou no berçário, dá-me sempre um baque. Cheira a recém-nascido. Não cheira a bebé, isso vem depois. É diferente. E todos os recém-nascidos cheiram mais ou menos ao mesmo, como cheirava o meu. E então quando posso viajo ao dia em que o vi pela primeira vez, de olhos negros bem abertos. "Então és assim, o meu filho", pensei. Estava à espera de amar perdidamente aquele bebé no instante em que ele saíu. Mas na verdade era um desconhecido que ali estava, que eu vi saír da barriga da mãe, que tinha ainda que conhecer. Depois, enquanto ele estudava atentamente as mãos apresentei-me formalmente. "Olá filho. Eu sou o teu pai. Benvindo." Nessa noite deixei-os na maternidade, e em casa demorei a adormecer, imaginando como estaria ele, e como seria o futuro a três. Mas foi só alguns dias depois que realmente caíu a moeda, e que me apercebi que era mesmo pai. E depois foi cada dia melhor, um amar enorme e transbordante, incapaz de estar contido em qualquer conjunto de palavras.

Assim, quando posso, revivo pelo cheiro dos bebés dos outros todos aqueles momentos estranhos, e no entanto tão grandes.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Um acidente terrível



O corpo humano é capaz de coisas extraordinárias. E o de uma criança é ainda mais fabuloso.

A Margarida, uma pequena de 2 anos, estava a brincar num baloiço quando por acidente caíu. Teve um enorme azar, que se veio depois a verificar estar revestido de muita sorte.

Chegou à Urgência Pediátrica rodeada de um enorme aparato, e todos correram para a sala de reanimação. Cada um que se aproximava, fosse médico, enfermeira ou auxiliar, punha no rosto uma enorme tensão, denotando a angústia que causava a cena a que se assistia. Contavam os bombeiros, com o terror espelhado nos olhos, que no local a menina ainda falava. Foi já no caminho para o Hospital que se foi apagado aos poucos, chegando já inconsciente.

Baloiçava com um lápis na mão, quando caíu. O lápis penetrou o canto interno do olho, ficando apenas alguns centímetros de fora. A TAC, feita no hospital, mostrava todo o trajecto do lápis. Milagrosamente não tinha atingido o olho, passando rente ao mesmo, e furando a órbita para o interior do crânio. Tinha cerca de 10 centímetros de lápis, completamente inteiro, perfurando o cérebro. Várias funções neurológicas estavam afectadas, prevendo-se um desfecho trágico.

Mas o tempo veio trazendo, devagar, uma discreta esperança. Foi operada de urgência, removendo-se o lápis, e depois veio gradualmente a recuperar as funções que tinha perdido. Ao fim de um prolongado internamento estava já praticamente bem, sem aparentes sequelas deste horrível acidente. É de facto espantosa, quase sobrehumana, a capacidade de recuperação das crianças. E a Margarida é disso um exemplo cabal.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Eu vi

Este foi o único vídeo que encontrei desta dupla insólita. Ouvi um mini-concerto destes dois Senhores em Ofir, no Minho, que me deixou a sonhar. A companhia ajudou, e muito.

Insólito?

Pode chamar-se insólito quando nos acontece três vezes no mesmo dia? O que ando eu a dizer às mães dos recém-nascidos que ando a observar pelas manhãs, que as faz levar as mãos aos botões das camisas de noite? Certo é que digo "Vamos despir", mas tenho o cuidado de preceder por um "Bom dia, venho ver o seu bebé!". Bem sei que as hormonas nessa fase andam um bocado avariadas.
Bem sei, digo, porque já pari. E porque não há regras, ou se há aqui mando eu, aproveito para contar que este longo silêncio deu para crescer(mos), engravidar(mos), e deixar crescer até aos 15 meses essa coisa boa que fiz(emos), entre as cerca de dois milhões de urgências. Continuo na minha Pediatria, a minha mariamadalena* em Ginecologia-Obstetrícia, cansados mas felizes. Quem sabe, a convença a desabafar por aqui um dia, ela que tem tantas histórias para contar.
Mas isto para dizer que vou passar a dizer, porque entendo, "Vamos despir o bebé!". Porque é capaz de não valer como insólito, se me vai acontecendo. Deve ser culpa minha.

* Sabes que escrevo para ti. Já tinha saudades. Obrigado!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Sem compromisso...

... mas vai crescendo uma vontade ... de desabafar outra vez.