domingo, 5 de outubro de 2008

Medo

O Pedro esperava na sala de triagem pela chegada do pai. Estava sozinho na urgência, tinha sido trazido por uma ambulância dos bombeiros, que a escola tinha chamado. O bombeiro pediu-me que lhe assinasse o verbete: "Um rapaz foi agredido na escola", informou-me. Com um ar calmo assistia à triagem de outras crianças, enquanto esperava pela sua vez de ser observado. Apressei-me a chama-lo, e trouxe-o para a minha sala de observação. Enquanto não chegava o pai limitei-me a conversar com ele. Tinha ar de rapaz bem comportado, mas não tinha ar de "marrão". Marcou-me a voz calma, envergonhada, o ar de derrota resignada e a surpreendente naturalidade com que relatava os acontecimentos. Ele tinha 13 anos, e à porta da escola tinha sido rodeado por um grupo grande, não conseguia atirar um número, de rapazes que estimava um pouco mais velhos que ele. Desses, quatro investiram simultaneamente sobre ele incitados pelos restantes. Pontapearam-lhe a cabeça e as costas, enquanto ele se encaracolava no chão em posição defensiva. Não mostrou qualquer resistência. Não lhe roubaram nada, carteira telemóvel... Ele conhecia-os vagamente, de os ver a cirandar pela escola, mas nunca tinha tido nenhum envolvimento pessoal com eles. Desconhecia qualquer motivo pessoal para a agressão. Tratava-se portanto de violência pura, gratuita, desprovida de intenção. Um fenómeno de grupo, eventualmente parte de um rito iniciático de algum gangue mais ou menos organizado. Gratuito. Não era a primeira vez na escola. Pior, não era a primeira vez que o Pedro era espancado na escola, já o havia sido por outro grupo.
Chegado o pai, alto e corpulento, observei o Pedro. Alguns hematomas, umas contusões aqui e ali, mas felizmente nada de maior. Sugeri ao pai actuação perante as autoridades próprias, ao que o pai responde, com frustração espelhada nos olhos: "São menores, doutor... Não vale de nada...". O Pedro não o mostrava, mas imagino, só imagino, a perspectiva de voltar para a escola... A frustração, a impotência, o medo...