O Sr. José foi submetido uma cirurgia complicada. Não que uma colecistectomia (retirar a vesícula biliar) seja à partida uma cirurgia difícil, não o é. Mas naquele caso as múltiplas colecistites (infecções da vesícula) tinham lesado os tecidos circundantes de tal maneira que tinham imensas aderências e fibroses que dificultaram o acesso aos cirurgiões. Depois de muito batalhar contra todas as dificuldades que se colocaram, finalmente conseguiram remover a vesícula biliar. Estava cheia de cálculos ("pedras").
Foi para uma Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), não só pelas complicações da cirurgia mas também porque tinha muitas doenças de base que o tornavam num doente instável. Tinha uma fibrilhação auricular (doença em que as aurículas do coração batem descoordenadamente e sem eficácia), já tinha tido um enfarte, tinha DPOC (doença pulmonar obstructiva crónica, uma doença em que os pulmões não funcionam tão bem como deviam, muitas vezes por causa do tabaco), era diabético, etc... Na Unidade de Cuidados Intensivos, e no dia seguinte à cirurgia, começou a "cair". A tensão arterial baixou, perdeu os sentidos, e as análises pedidas de urgência mostraram que estava a perder sangue. Foi novamente "a voar" para o Bloco Operatório, onde se observou que um pequeno vaso no local onde antes tinha estado a vesícula tinha começado a sangrar abundantemente. Reparou-se o dito vaso, e reenviou-se o Sr. José para a UCI.
Oito dias passados estava finalmente estável o suficiente para ser transferido para a enfermaria de Cirurgia Geral, nomeadamente para a Unidade de Cuidados Intermédios. Pouco depois de ter chegado aos Intermédios e ser ligado aos monitores começou a aumentar a frequência cardíaca. As enfermeiras chamaram-nos, a mim e a uma outra médica. Verificámos que o coração batia cada vez mais depressa e de forma completamente irregular (característico da fibrilhação auricular), com batimentos anormais (extrassístoles ventriculares) pelo meio. O Sr. José estava a suar muito, e queixava-se de dor no peito. Podia tratar-se de muita coisa, entre as quais um enfarte, um tromboembolismo pulmonar ou simplesmente uma desregulação da resposta dos ventrículos à fibrilhação auricular. Feitas meia dúzia de manobras e administrados os fármacos correctos, a situação não parecia melhorar. Aliás, piorou um pouco quando a tensão arterial começou a descer... No entanto, e pedidos exames laboratoriais vários no sentido de entender o que se estava a passar, aos poucos a frequência começou a voltar ao normal (acção dos fármacos administrados), a tensão arterial regressou ao normal, e a dor desapareceu. Tinhamos conseguido reverter aquela situação. O que a nossa intuição nos disse os exames laboratoriais confirmaram: não se tratava de nenhuma situação muito grave.
Cinco minutos depois o Sr. José entrou num estado um pouco curioso. Exclamava alto e a bom som como se sentia bem, esbracejava agradecimentos a todos os que tinham presenciado aquela situação, e começou a contar histórias do seu passado... De cinco em cinco segundos exclamava que se sentia "porreiro", que nós eramos fabulosos, e que a vida era bela. Na manhã seguinte, quando cheguei ao serviço, o Sr. José continuava a dissertar sobre a vida com um sorriso nos lábios. Falava sobre tudo com todas as pessoas que passavam, e destilava bom humor. Curioso observar como a proximidade da morte dá a algumas pessoas tanta vontade de viver!
quarta-feira, 8 de junho de 2005
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