A Luísa deu entrada no Serviço de Urgência Pediátrica num fim de tarde. Foi trazida pela mãe, que a tinha encontrado inconsciente no quarto com comprimidos vários em cima da cama e uma garrafa de whiskey ao lado da cama. A Luísa tinha 9 anos.
Chegada ao SU a Luísa estava muito difícil de despertar, mas respirava bem e o coração batia de forma adequada. Relatada a história da mãe, tomaram-se as medidas adequadas perante uma intoxicação medicamentosa e alcoólica. Os comprimidos em questão pertenciam à mãe, antidepressivos de várias classes, ansiolíticos e sedativos. Os doseamentos de sedativos na urina e álcool no sangue eram positivos, mas aos poucos a Luísa parecia começar a despertar. E ao longo das horas que passou internada foi sempre melhorando o seu estado de consciência.
Passado o pior, e uma série de horas depois, a Luísa estava já recuperada, e pronta para tentar explicar o sucedido:
- "Tomaste alguns comprimidos?", perguntámos
- "Sim, tomei o diazepam.", respondeu prontamente, surpreendendo os presentes.
- "Por acaso sabes-nos dizer que número estava escrito na caixa?"
- "Era o diazepam de 5 miligramas, tomei 3!", disse sem hesitar, com uma tranquilidade assombrosa.
- "E tomaste mais algum comprimido?"
- "Não, o X e o Y não tomei!". Sabia os nomes comerciais de dois antidepressivos...
Inevitavelmente perguntámos "E porquê?". Respondeu (com um inapropriado sorriso nos lábios):
- "Porque a vida não faz sentido!"...
Uma avaliação psiquiátrica e social depois tudo se tornou mais claro (perspectivando-se naturalmente bastante sombrio...). A mãe, abandonada pelo marido, bebia e abusava dos antidepressivos e sedativos. Por várias vezes tinha tentado o suicídio, com medicamentos e bebidas alcoólicas. Por várias vezes em frente à Luísa. E a Luísa, tranquilamente, imitou todos os comportamentos da mãe. Estava perfeitamente familiarizada com os nomes dos medicamentos, com a sua localização, e com a frase que, tão inocentemente, papagueou. "Porque a vida não faz sentido!"... Com um sorriso nos lábios.
segunda-feira, 24 de julho de 2006
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