Há alguns meses estive a trabalhar na Urgência Pediátrica de um dos maiores hospitais do país.
Diariamente passavam-me pelas mãos dezenas e dezenas de crianças, felizmente a maior parte delas com problemas simples e muitas sem problemas absolutamente nenhuns, cujas vindas se deviam a pais ansiosos (os pais que estejam a ler isto esboçarão um sorriso sarcástico).
Num desses dias fomos avisados que estava a chegar uma criança de Moçambique, um miúdo de 9 anos, referenciado à Urgência Pediátrica. Tinha vindo directamente do aeroporto, o pai e o tio acompanhavam-no. O que o trazia era bizarro... A face do miúdo estava deformada por uma enorme massa que parecia crescer por baixo da pele e que envolvia a pálpebra, testa e orelha do mesmo lado. Ele estava bem, não falava muito, mas não havia nada de verdadeiramente urgente para resolver. O pai contou que tinha começado como uma manchinha mais escura ao pé da sobrancelha, há cerca de 5 (!!) meses, e que de então para cá tinha vindo a crescer inexoravelmente. Apenas quando atingiu proporções dignas de um "freak show" é que surgiu a preocupação de o enviar para Portugal.
Desconhecendo, apesar das suspeitas, a verdadeira origem do problema a criança foi internada num dos serviços de pediatria do hospital. Alguns dias depois fui pessoalmente a esse serviço - a situação era bizarra e o miúdo tinha cativado a minha empatia - para saber o que lhe tinha acontecido. Tinha um melanoma (situação rara em indivíduos de raça negra), um cancro de pele. Tinha já metástases (localizava-se noutros locais do organismo que não o de origem), e um prognóstico péssimo. Tinha sido enviado para o IPO na véspera. Os olhos em baixo dos Pediatras e os esgares dizendo "ah, esse miúdo..." diziam tudo.
Antes fosse este um caso isolado...
sexta-feira, 22 de outubro de 2004
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