Hoje foi um dia especial. Estive no bloco operatório e, apenas no final da primeira semana de estágio, tive oportunidade de ajudar bem de perto nas cirurgias. Já tinha algumas saudades das "tripas", é caso para dizer que, quase literalmente, ando "a fazer das tripas coração"...
A primeira cirurgia foi, infelizmente, de muito curta duração. Mais uma laparotomia exploradora, mais uma carcinomatose peritoneal (disseminação de um cancro entre os órgãos do abdómen). Tratava-se de um cancro do estômago, que tinha sido encontrado já numa fase avançada. Tinha-se afastado inicialmente a hipótese de cirurgia, mas a quimioterapia tinha tido resultados espectaculares. Tinha reduzido imenso a massa tumoral, e não eram visíveis na TAC (exame de diagnóstico radiológico de precisão elevada) quaisquer outras lesões, tinham regredido (aparentemente) de forma completa. Dessa forma, decidiu-se avançar para a cirurgia numa tentativa de retirar o que sobrava do tumor. Quando passámos a mão no interior do abdómen sentimos que tudo tinha uma textura semelhante a "lixa"... A gordura no interior do abdómen estava encarquilhada por massas pequenas mas duras que nem pedra... Imediatamente a cirurgia inverteu o seu sentido, e sendo que não havia necessidade de fazer qualquer intervenção como terapêutica paliativa, fechámos sem fazer quase nada... Fizémos apenas uma biópsia daquelas massas, para análise pela anatomopatologia. Mas infelizmente, mais uma vez, resumiu-se a abrir e fechar...
A segunda cirurgia era também a um tumor, desta vez do pâncreas. O tumor estava bem localizado (no que se chama de "cauda do pâncreas"), e não havia evidência de invasão de outros órgãos ou de metástases. Era, portanto, necessário remover uma boa parte do pâncreas (e o baço). O pâncreas é um órgão de acesso difícil, escondido atrás do estômago e "enfiado" no meio de imensos vasos grandes com os quais é preciso ter muito cuidado... A abordagem cirúrgica do pâncreas é complicada, mas são cirurgias muito "bonitas". Esta expressão, embora possa ser um pouco chocante para quem está de fora, significa que tem uma técnica cirúrgica muito delicada, complexa, que a torna de certa forma estimulante... Do ponto de vista humano, não tem graça nenhuma ter que ser submetido a uma cirurgia ao pâncreas, e as doenças do pâncreas são em geral bastante complicadas e geralmente com mau prognóstico... Mas quem executa as cirurgias, sem perder obviamente noção da vertente humana, gosta de certa forma destes desafios. Qualquer médico lida com situações que do ponto de vista humano são difíceis, é preciso gostar de medicina para saber lidar com isso... Mas, voltando ao caso, a cirurgia correu bem. Durou umas três horas e meia (a minha inexperiência levou a que os vários passos da cirurgia me fossem explicados com mais cuidado, pelo que demorou um pouco mais que o habitual), mas não houve complicações nenhumas. Agora resta esperar que todo o esforço seja recompensado com alguns anos de vida da doente!! Entretanto, eu hoje durmo com a sensação de dever cumprido... O futuro o dirá...
sexta-feira, 6 de maio de 2005
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