A D. Otília, que tem cerca de 55 anos, já está internada no serviço de Cirurgia Geral há uns dias. Entrou através da urgência com uma cólica biliar. Suspeitava-se de litíase (pedras) na vesícula biliar, uma vez que após o episódio de dor começou progressivamente a ficar com icterícia (coloração amarelada da pele). Sem dúvida que se tratava de uma icterícia obstructiva (alguma obstrução à drenagem da bílis fazia acumular pigmentos amarelados no organismo). O local e natureza da obstrução é que eram uma incógnita. As análises laboratoriais eram compatíveis com o mesmo problema, mas a ecografia não mostrou pedras nenhumas. Mostrou apenas que as vias biliares (canais que levam a bílis do fígado e vesícula para o intestino) estavam dilatadas, o que confirmava a existência de uma obstrução. Mas a ecografia não mostrava o local nem o motivo da obstrução. Pedimos então, na semana passada, um exame que tem por base a utilização da ressonância magnética para observação das vias biliares (a que chamamos CPRM). Esse exame faz-se fora do hospital, e assim a doente foi até à clínica de imagiologia fazer a CPRM.
Hoje a doente estava amarelíssima. Estava muito mais ictérica que na semana passada, a obstrução mantinha-se de forma nítida. Para além disso, as análises mostraram que além das vias biliares, já o fígado está a sofrer as repercussões da obstrução. Uma outra análise, pedida na semana passada, deixou-nos imediatamente de pé atrás: um marcador tumoral está um pouco aumentado... Os marcadores tumorais são substâncias detectadas no sangue que costumam estar associados a cancros (não são 100% fiáveis, mas dão fortes pistas).
Ao fim da manhã, e depois de umas quantas insistências telefónicas, chega o fax da clínica com o relatório (o exame só chega amanhã). Ficámos a olhar para o fax. Nos olhos dos médicos que estavam comigo lia-se o mesmo sentimento que me trespassava: desolação. A CPRM mostrou que a obstrução é provocada por uma neoplasia do pâncreas. Apesar de não identificar metástases, o exame mostrou que o tumor se localiza perigosamente perto de vasos de grandes dimensões do abdómen. Após um breve momento de silêncio, discutimos brevemente as hipóteses a considerar: ou se desiste de tentar tratar (os tumores do pâncreas têm um prognóstico péssimo, e este parece estar numa fase pouco favorável) e se faz algo para aliviar a obstrução provocada pelo tumor, ou se tenta tudo por tudo (com muito baixas probabilidades de sucesso) e se faz uma cirurgia enorme que a vai deixar diabética e muito fragilizada. Precisamos de mais dados (nomeadamente do próprio exame, não apenas do relatório, e talvez demais exames) e mais reflexão. Mas uma coisa é certa: as probabilidades de aquela mulher de 55 anos estar morta daqui a um ano são enormes. E qualquer que seja a decisão tomada aquela mulher vai sofrer muito...
segunda-feira, 9 de maio de 2005
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