O Sr. Manuel esteve no SO, antes de ser internado no nosso serviço. Conheci-o ainda no SO. Ele estava no Hospital por uma pneumonia, mas tinha bastantes doenças de base. Uma delas era a Doença de Alzheimer. E foi essa que me surpreendeu.
Quando o cumprimentei, com um sonoro "Bom dia!!", arranquei-o ao sono superficial em que se encontrava. Surpreendido, esboçou um enorme sorriso, fingindo claramente um reconhecimento da minha pessoa. Acenou-me com a cabeça, dizendo muitas palavras (seriam?) ininteligíveis que soavam ao cumprimento que se dá a um velho amigo. Sorri de volta, ao que ele apontou para o braço direito, paralisado por um antigo AVC, dizendo "Já viste? O coiso... o... coiso!", e abanava a cabeça com uma expressão de aborrecimento por aquilo lhe ter acontecido. Perguntei-lhe então o nome, e a resposta que obtive foi um pequeno momento de introspecção, seguido de "coiso, ai... é... ai... coiso! Espera, ai...". Tentava repetidamente dizer o próprio nome, mas não conseguia de facto dize-lo... Nesse instante fui chamado ao exterior da sala, pelo que saí e voltei a entrar passados dois minutos. Ao ver-me entrar chamou-me de longe, parecia ter algo importante para me dizer, aflito para não perder as palavras. Agarrou-me então na mão, e disse cuidadosamente "Manuel... ai! Pe... Pereira Silva!". Abriu então um rasgadíssimo e francamente orgulhoso sorriso, ao que foi impossível responder-lhe de outra forma senão com outro sorriso e um "muito bem, Sr. Manuel, é isso mesmo!".
Já no serviço voltei a observa-lo em dois dias consecutivos. Em ambos me cumprimentou efusivamente, como da primeira vez, nitidamente fingindo o reconhecimento de que não era capaz. Eu não voltei a repetir a pergunta. Limitei-me a cumprimenta-lo de volta como a um velho amigo, o que o parecia deixar satisfeito por não ter deixado de se alegrar pela presença de uma recordação que tinha há muito perdido.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006
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