quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Resoluções


- Acabar com a procrastinação. Mas só a partir de dia 1. Ou 2, que 1 é feriado. 2 estou de banco... 3 estou de saída e é Sábado...
- Fazer tudo o que tenho em atraso de 2008. E de 2007. E de 2006...
- Ver o meu filho crescer
- Namorar nos intervalos
- É desta que o IMC vai ao sítio
- Fazer melhores resoluções de ano novo

FELIZ ANO NOVO!!

domingo, 28 de dezembro de 2008

Caos

Anda o caos instalado nas Urgências Hospitalares. Tanto nas de adultos como nas pediátricas. A alegada razão: gripe. Honestamente, recordem-se do que faziam os nossos pais e avós quando nós tinhamos gripe: davam-nos chazinho a beber (nas mais variadas versões, desde o clássico chá de casca de cebola ao cházinho da Milupa), qualquer coisa doce (mel, xarope de cenoura...), metiam-nos na cama e davam-nos um rolo de papel para o ranho. Depois mimavam-nos até mais não, tratavam-nos a febre com os antipiréticos disponíveis, e deixavam-nos exigir as mais variadas coisas à vontade, desde dormir como se não houvesse amanhã até ver desenhos animados o dia inteiro... E depois a gripe passava, nós voltávamos à escola, e comparávamos com os colegas as maleitas de que tinhamos sido vítimas. Não iam para as Urgências, entupir o Sistema Nacional de Saúde de ranho, e dessa forma comprometer a adequada e atempada assistência às crianças e adultos que delas precisam mesmo: aqueles que estão a morrer. Porque o que se passa hoje em dia é uma deturpação absoluta daquela que é a intenção da existência das Urgências Hospitalares: atender pessoas que correm, mais ou menos imediatamente, risco de vida, e aquelas que são referenciadas de outras unidades de saúde por não terem os meios complementares que consideram adequados para aquelas situações em particular...
Conclusão: vive-se (e não é de agora) uma perversão enorme do sistema. Demasiadas pessoas recorrem às Urgências Hospitalares sem que efectivamente cumpram critérios para serem vistas nessas unidades, o que engrossa os tempos de espera e piora os cuidados prestados às que efectivamente necessitam de nós. O investimento tem que passar pelos Cuidados de Saúde Primários (Centros de Saúde, SAPs), mas isso é impossível de se concretizar se a população não perceber que está efectivamente a arruinar o sistema ao contornar a ordem lógica! O que acabará por acontecer, a este ritmo, é que os Hospitais vão ter que passar a funcionar com a porta fechada para o público. As inscrições nas Urgências serão limitadas àqueles que vêm em situação emergente (risco imediato de vida) e aos doentes referenciados de outras unidades de saúde. Para que isso não tenha que acontecer, a imposição da utilização racional do SNS, essa racionalidade tem que começar a existir por si...
Que sirva este desabafo para passar a mensagem a alguns...

domingo, 21 de dezembro de 2008

Três magos

Os três reis magos, num post jázzico de natal! Oscar Peterson a acompanhar magistralmente no piano dois génios do sopro, Stan Getz e John Coltrane!!
Feliz Natal!

sábado, 20 de dezembro de 2008

Vinte anos depois...

Silêncio absoluto. Noite cerrada, nem uma luzinha de presença. Lá fora o frio, sem chuva. O quentinho dos lençóis embalava-me já há bastantes horas, num retempeador sono de guerreiro, a famigerada saída de banco. Sonhava com alguma coisa, nem sei já o quê, algo confuso e agitado que contrastava com o pacífico exterior. Fugia de algo? Precisava de saltar! Rápido! E sem como nem porquê "PAM!!!". Baralhado, estava sentado, costas encostadas a algo duro, e o frio - onde estão os lençóis? O colchão fugiu? No Hospital não estava, a consistência do tapete em baixo do meu rabo era o do meu quarto. "J.? Estás bem?!". Que raio de pergunta, não se vê? Caí da cama... O contexto confuso-onírico dava ainda sentido ao salto fugitivo do mal que me assolava, transformando ironicamente a pergunta preocupada numa pergunta retórica. Claro que estava bem, mal estaria se não tivesse saltado. Deito-me, sem mazelas, e viro-me para o outro lado. Não nos lembrámos disto na manhã seguinte, mas o que rimos, na noite seguinte ao deitar, quando vi a mesa de cabeceira toda à banda e me lembrei do episódio...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Da morte

Não era suposto. Ele tinha sido sempre saudável, gostava de comer fruta e ria-se sempre das brincadeiras do pai, por mais que ele as repetisse. Já se punha de pé no berço, agora andava com a mania de se pôr de pé na cama a meio da noite e gritava "mããããããã!!!". E lá tinham os pais que se levantar, para lhe pôr a chucha e deita-lo novamente, teria a prática das novas habilidades que ficar para o dia seguinte. Não era suposto. Tantos velhos, moribundos, a quem a morte não chega nem que eles a chamem pelo nome. E logo ele, de todos ele.
Vim plenamente consciente disto. Escolhi Pediatria, não por gostar de crianças (gosto, certamente), não por serem engraçadas e por serem mais genuínas. Vim porque sei que tenho esta missão, de fazer por tudo para as salvar da morte, e de, até, ajudar a morte a leva-los em paz quando assim tem que ser. Porque nem todas as crianças sorriem, como este sorria, nem todas as crianças correm, como este corria. E também às vezes a morte de uma criança vem como um alívio. Não é só a morte do velhote que sofreu anos a fio que chega como ponto final de um sofrimento arrastado. Ao contrário desse velhote, que conta com uma vida recheada de vivências e acontecimentos, para algumas crianças a vida nunca chega a se-lo. E, para algumas, desejamos que o gesto salvador nunca tivesse sido. Mas sabemos lá... Pois, as crianças também morrem. Também sofrem. Mas sou projecto de Pediatra por essas também, e talvez mesmo (quem sabe do futuro?) para essas que dançam no limbo entre a vida e a morte. E se puder fazer, realmente, a diferença para alguns dormirei tranquilo. Alguém tem que estar cá para elas. Porque ser Pediatra não é (só) ter oportunidade de lidar com crianças, como a alguns (pouco avisados) parece. É lidar com crianças doentes, e nem todas as doenças em pediatria são o ranho e a tosse. Alguns morrem, como este que não vos conto.

Um dia conto-lhe, Dr. MA, como me inspirou a querer ser mais.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Nunca...


...digam "bom dia!!" a um médico de urgência antes das 09h da manhã. Para aquela criatura à vossa frente o dia começou MUITAS horas antes. É boa noite. Mesmo com o sol a raiar. Mesmo com passarinhos a chilrear.

domingo, 7 de dezembro de 2008

O pato

Algo infantil, mas absolutamente delicioso! O meu filho adora que eu lha cante...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

E o burro sou eu?!

O meu filho tirou um papelinho no infantário. Disseram-lhe que era para o pai. Podia ter sido um humilde pastor, talvez com sorte um rei mago com ouro ou incenso para o menino. Quem sabe, porque não, o menino Jesus... Não. Burro. Tira um papel para o pai e pimba, burro. Pai, Burro. Para o presépio. Sendo optimista podia ser a vaca. Menos mal.
Bendita avó com jeito para estas coisas!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A avó zelosa


A propósito de um comentário da Paula Rodrigues no último post lembrei-me de uma história deliciosa que me aconteceu há uns tempos. Uma criança de 2 anos foi à Urgência Pediátrica acompanhada pela avó, que estava responsável pela neta naquele dia. O motivo era simples: tinha as palmas das mãos e as plantas dos pés amarelas, notara a avó naquele dia. Tinha medo, explicava, da icterícia. Expliquei que a icterícia era diferente, que a "amarelice" aparecia sempre também na esclerótica, o "branco dos olhos". A seguir perguntei se a avó lhe costumava dar muitas cenouras e abóbora, ao que a avó prontamente respondeu, orgulhosa do seu zelo, que "sim, doutor, faz muito bem aos olhinhos!". Quando lhe expliquei que essa era a fonte do "problema" (que de problema nada tem), a chamada carotenémia, mudou a expressão. Quando se apercebeu que a ingestão abundante de alimentos ricos em carotenos provocava aqueles sinais, montou rapidamente um ar de desdém, dizendo secamente: "Isso são coisas da outra avó!..."
Absolutamente delicioso.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Bátátádôôôche!

O que o meu puto adora batata doce assada no forno...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Amizade

Esta semana na Urgência chamei o Duarte, de oito anos. Entrou no gabinete acompanhado pela mãe, que trazia um ar agastado, com olheiras fundas e os olhos vermelhos. O Duarte mostrou-me um sorriso simpático, quando o cumprimentei, mas trazia nos olhos uma tristeza escondida. A mãe, preocupada, explicou-me que o Duarte fazia já uma semana que vomitava todos os dias. Uns dias duas, outros três vezes. Sem diarreia, sem febre. Apesar de tudo andava bem disposto, pelo que não o tinha levado antes aos cuidados de um médico. Mas nos dois últimos dias o Duarte apresentava outras queixas, que a preocuparam mais: queixava-se de dores de cabeça e tonturas (explicava-me ele que via a mesa e o livro na escola a caírem para o lado), e também de dores de barriga. Enquanto ele descrevia o que sentia e a mãe completava a descrição, eu ficava progressivamente mais preocupado já que aquela sintomatologia me apontava para um problema do Sistema Nervoso Central. Entretanto a mãe confessou que, mais que a sintomatologia em si, era a semelhança com a sintomatologia que o seu pai, avô do Duarte, apresentava desde há alguns meses que a angustiava. O avô do Duarte tinha uma leucemia com invasão do Sistema Nervoso Central, e estava a aproximar-se a passos largos da morte. Explicou-me a mãe que o Duarte apresentava exactamente os mesmos sintomas do avô, e que já não tinha mais forças para tolerar pensar que também o Duarte pudesse estar doente da mesma forma como estava o pai dela. Expliquei-lhe que era seriamente improvável que o Duarte tivesse uma patologia semelhante à do avô, mas que deixaria a sua observação dar-me mais dados. Observei cuidadosa e demoradamente o Duarte, fiz-lhe um exame neurológico completo, e não encontrei nenhuma alteração. Tudo o que se podia ali inferir acerca do seu funcionamento neurológico me dizia que tudo estava bem. Ou seja, só podia concluir que o Duarte estava, inconscientemente, a imitar a sintomatologia do avô, de tal maneira estava perturbado com as circunstâncias que o envolviam. Cautelosamente abordei a mãe nesse sentido, que afirmou que as queixas eram exactamente iguais e que sim, o avô do Duarte era sem sombra de dúvida o seu melhor amigo. Aquele era o melhor diagnóstico que aqueles sintomas poderiam transmitir, uma transferência das queixas do avô para ele próprio, mas mostrava de facto quão doente estava o Duarte. Não fisicamente, essa parte estava impecável, mas o Duarte estava psicologicamente devastado pelo sofrimento, degradação e iminente morte do seu melhor amigo de sempre, o seu avô. Falei com ele, expliquei-lhe que tal como acontecem coisas boas às pessoas sem que elas façam alguma coisa por isso, também acontecem coisas más. Disse-lhe que a culpa do que se passava com o avô dele não era de ninguém, muito menos dele próprio. E expliquei-lhe que o avô precisava agora da ajuda dele, e que a melhor ajuda que ele poderia dar era estar bem, estar forte, e estar perto dele com um sorriso e um beijo sempre prontos. Conversei depois um pouco com a mãe, sobre o que pensava estar a acontecer, e expliquei-lhe que tinha que conversar muito com ele sobre isto, desculpabiliza-lo de toda a situação envolvente, mas que tinha que se manter atenta à evolução da situação e caso as coisas não melhorassem ele tinha novamente que ser observado. Enquanto isto o Duarte tirou sem eu ver uma folha de papel e uma caneta da minha secretária, e fez um desenho. Desenhou uma árvore alta, com um passarinho pequeno num ramo perto da copa, e uma flor no chão ao lado da árvore grande. No final, quando nos despedíamos, ofereceu-me o desenho, com o mesmo sorriso triste com que tinha entrado no gabinete.
A seguir fui jantar, engolindo as lágrimas ao canto do olho (que ainda agora teimam em aparecer), e amaldiçoando-me por ter sentimentos e me deixar afectar tanto pela história do Duarte. Tranportei esta história para a minha, lembrando-me da relação especial que o meu filho tem com os avós (felizmente saudáveis), coisa que já estava mais que avisado ser errado. Mas se não fosse assim, que tipo de ser humano seria eu?

domingo, 23 de novembro de 2008

Oscar...

... para Oscar Peterson! Dos maiores solistas de piano de sempre. Senão vejam:



Respirem fundo antes deste!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Estou dependente

Costumo dizer que o ranho é uma constante da vida das crianças nos primeiros anos de vida... Mas não precisava de ser uma constante da MINHA vida...

sábado, 15 de novembro de 2008

Curiosidade

- (papagueando a mãe) Ele levantava-se, e bebia água, levantava-se e bebia água. E estava sempre a fazer chichi!
- Obrigado Pedro. Agora ficas aí sentado enquanto tratam do mano. Olha, quantos anos tens?
- Oito. Ó Doutor, o meu mano vai cá ficar porque tem a bicha solitária?
- Não, Pedro, o teu mano tem a mesma doença que o teu pai, diabetes.
- Ah... Ó Doutor, aqui eu também vou aprender coisas?
- (sorriso) Sim, Pedro, aqui também podes aprender coisas...
- Hum... Eu gostava de ter um livro desses, onde se aprendem coisas das doenças!...

(a história do mano do Pedro fica para o próximo capítulo)

domingo, 9 de novembro de 2008

Daqueles...

... que se gosta de ouvir com os toques do vinil. Gosto muito de bossanova, e há alguns álbuns absolutamente inesquecíveis. A parceria Stan Getz - João e Astrud Gilberto é uma dessas que faz sonhar. Infelizmente desse momento histórico não encontrei registos vídeo. Fica um delicioso "Desafinado" pelo mestre João Gilberto, com o enorme Tom Jobim ao piano... Enjoy!



E assim inauguro o "Every other sunday Jazz", novíssima rubrica quinzenal!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Não devo ser só eu

Sim, tenho a mania de encontrar parecenças improváveis entre as pessoas. Mas vejam lá se não acham que o Ricardo Araújo Pereira vai passar a ganhar mais uns trocos a personificar o Obama? Se consegue ficar parecido com o Valentim Loureiro, este parece-me um esforço menor.

Mais um regresso!


Os médicos bogueiros estão a retornar à blogosfera! Desta vez é o meu amigo Nuno (ex-blues por um interno), que resolveu fundar uma nova casa, Refogado & hortelã. Conhecendo a peça, deve saír coisa boa!! Enjoy!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Detesto modas, mas...

... há modas que valem a pena.
Comprem, o CD dos "Deolinda" é fantástico!



sábado, 1 de novembro de 2008

Badum Badum...


O António tinha a cara num bolo. Uma infecção da face, consequência de uma ferida na cavidade oral, transformara o seu lado esquerdo. Estava, no entanto, muito bem disposto e sem outros critérios de gravidade. Justificava no entanto colher sangue para análises, e aproveitar a picada para adinistrar antibiótico pela veia. Aí a boa disposição do António modificou-se. Não fez a habitual tourada, era já um menino grande, mas deu asas ao seu lado mais dramático, com muita graça diga-se em abono da verdade. Comentámos aliás a sua veia artística, questinávamos se para o drama ou a comédia. Nisto, duas pessoas pararam à porta da sala de tratamentos, e decidiram dar uma ajuda. Trata-se de um projecto de música nos hospitais, que ciranda pela Pediatria tentando aligeirar o ambiente pesado, aliviando um pouco a pressão de um internamento. O António, surpreendido pelo ritmo, ficou mais calmo. O médico (eu) ficou mais bem disposto, e pôs-se a acompanhar com um "badum badum" de contrabaixo o ritmo jázzico de uma bossanova infantilizada. Todos sorríamos, incluindo o António, que mesmo durante a picada não estrebuchou. Correu tudo bem, e no final dirigi aos músicos um sincero agradecimento. A humanização dos hospitais é essencial, especialmente no contexto pediátrico. E já agora, a humanização do ambiente de trabalho, seja lá ele qual for... Honestamente, fiquei mais bem disposto!

domingo, 26 de outubro de 2008

L'inconnue de la Seine

O Dr. Peter Safar, citado com propriedade milhares de vezes como o pai do "ABC" da reanimação cardiopulmonar, teve um papel muito relevante no desenvolvimento das técnicas de ressuscitação. O seu trabalho nesta área desenvolveu-se a partir dos anos 50, e foi sempre um homem à frente do seu tempo. Tive oportunidade de assistir a um vídeo (que não encontro na internet em lado nenhum), em que um dos seus colaboradores (um interno - "resident" em inglês, um elo fraco da cadeia alimentar médica) foi curarizado (a palavra vem do famoso veneno curare, e consiste no bloqueio farmacológico de todos os músculos do corpo, incluindo os que nos mantêm a respirar, mantendo no entanto a consciência) para poder servir de modelo em experiências de reanimação cardiopulmonar. Nesse vídeo pude ver o próprio Dr. Safar a demostrar a respiração boca a boca no seu interno paralizado... Com base nesses estudos começou-se a demostrar a importância do correcto posicionamento do doente na reanimação, nomeadamente a manutenção da permeabilidade da via aérea, bem como todos os pormenores da ressuscitação que compõem o dito "ABC".
O Dr. Safar foi também o impulsionador da massificação do ensino das técnicas de reanimação, e estimulou a criação do primeiro modelo (boneco) para treino de reanimação, a famosa Resusci-Anne (ou Annie). Facto curioso, a face da boneca foi feita a partir dos moldes da "Inconnue de la Seine", um busto de gesso feito post-mortem a partir de uma jovem desconhecida encontrada morta no rio Sena, considerada muito bonita e estranhamente sorridente. A "Inconnue de la Seine" foi muito popular como modelo de beleza no mundo boémio, e muitos artistas da época possuiam em sua casa uma réplica do busto original.

Ok, estou num Congresso e não tenho visto doentes, daí o silêncio... Mas eu volto!

sábado, 11 de outubro de 2008

Mais uma vez, amor e disciplina

Era meio-dia quando recebemos um telefonema na Urgência. Uma Médica de Família de um Centro de Saúde da área de influência do Hospital estava a enviar-nos um adolescente com 13 anos. O José tinha, de acordo com o telefonema, ingerido uma quantidade desconhecida de um antipsicótico e de um antiepiléptico. Preparámo-nos para o pior e estudámos os efeitos adversos dos dois fármacos, tentando antever perante que tipo de quadros nos podíamos deparar, e a atitude terapêutica a tomar. Quando chegou, cerca de uma hora depois da toma, estava consciente e sentado na sala de triagem. Era um adolescente muito problemático, que tinha sido uma criança também muito problemática. Afirmava ter tomado quatro ou cinco comprimidos do antipsicótico, negava ter tomado o antiepiléptico. Não era a primeira vez que o fazia, afirmou. Tinha a certeza, aliás, que só lhe daria mais sono que o habitual, e que nenhum mal mais aquela dose poderia fazer. Não havia, aparentemente, qualquer intenção suicida: tinha-se zangado com a mãe e aquela era uma das muitas maneiras que tinha para a manipular a conseguir os seus intentos. Não perdi muito tempo a elucidar pormenorizadamente os porquês, tinha que supor que ele poderia estar a mentir e ter tomado muitos mais comprimidos. E assim sendo tinhamos que rapidamente lhe fazer uma lavagem gástrica (para remover a maior quantidade possível de fármacos do estômago) e administrar carvão activado (para tentar impedir que os fármacos que já tivessem passado o estômago fossem absorvidos). Isso implicava colocar-lhe uma sonda pelo nariz, até ao estômago, o que o José começou por recusar. Disse-lhe que ele não tinha ali alguma hipótese de negociação, e que a bem ou a mal nós íamos proceder à lavagem. Manteve-se a recusa em colaborar, e eu e um excelente (e corpulento) enfermeiro insistíamos que ou colaborava ou passava pela vergonha de ser agarrado como um bebé. Não nos olhava nos olhos, o olhar fugia entre o chão e as paredes tão evasivo como o seu discurso de negação. Algum tempo depois desistimos da via negocial, e pedimos-lhe "menos gentilmente" que se deitasse. Percebeu aí que não tinha hipótese, e optou por colaborar com os procedimentos. Só queria que lhe explicássemos tudo, e explicássemos se ía doer. Ficou sossegado durante todos os passos, e não voltou a esboçar resistência, mesmo durante a colheita de sangue e urina para análises toxicológicas, entre outras. Depois, enquanto aguardava as análises, ficou internado para vigilância. Deu tempo de perceber, então, todo o contexto que rodeava aquela atitude. Os pais estavam divorciados, e a toda a hora falavam ao José mal um do outro. O José vivia alternadamente com um e com outro, ao sabor das zangas com e pai e com a mãe e das ofertas que estes faziam para conseguirem o seu regresso. Portanto, o José estava habituadíssimo a manipular os pais para conseguir obter o que queria, enquanto gozava de uma liberdade perigosa alimentada pelo desejo de cada um dos pais de que ele, simplesmente, não os chateasse. Porque, palavras da mãe em frente a ele, "É tudo muito mais calmo quando ele não está por perto, não anda a bater no irmão e em mim.". O pai, carrancudo, perguntava - também perante o José - se não havia alguma hipótese de ficarmos com ele internado, ou de o transferirmos para um sítio onde ele ficasse a "recuperar". Claramente queria, também, livrar-se dele. Fosse para onde fosse. Dizia insistentemente a mãe, com um nada disfarçado orgulho - "O Doutor não me viu na televisão?!" -, que tinha já várias vezes sido entrevistada por programas daqueles que vivem da exposição da desgraça alheia, onde descrevia as agressões de que era alvo por parte do José. No meio de tudo isto o José, indiferente pelo hábito ao "jogo do empurra" e obnubilado pela dose excessiva de fármacos, acabou por adormecer depois de conversar com a pedopsiquiatra que o seguia já há uns anos e que o tinha medicado com os mesmos fármacos que ele acabou por tomar em excesso. Quando acordou já as análises mostravam que provavelmente ele dizia a verdade, que de resto tudo bem (excepto alguns sinais laboratoriais de lesão muscular - efeito descrito do antipsicótico), e já a pedopsiquiatra tinha dito que não via razões para que ele permanecesse internado. Dei-lhe então alta, orientado para a consulta de pedopsiquiatria. Procurou-me, no momento da saída, para se despedir de mim. E foi aí que ele mais me supreendeu: foi com sentimento, com um honesto "Obrigado" enquanto me apertava com força a mão e me olhava nos olhos, que ele seguiu o seu caminho. E tudo então ficou mais difícil para mim. Porque até aí ele tinha-se portado como um rufia, um marginal sem emenda, um miúdo estragado e condenado. E nesse momento tive a percepção de que ele era um miúdo com um fundo bom, que precisava de uma figura parental disciplinadora e carinhosa. E que seria sempre um rufia, um marginal sem emenda, um miúdo estragado e condenado, porque não tinha uma família que lhe desse o que ele precisava: amor e disciplina.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Hipocondríase

À esquerda vemos o Woody Allen, um dos mais famosos hipocondríacos de sempre...

No seu melhor estilo, este meu amigo psiquiatra conta-nos aqui umas coisas sobre a "mania das doenças" em profissionais de saúde.

Imperdível!

domingo, 5 de outubro de 2008

Medo

O Pedro esperava na sala de triagem pela chegada do pai. Estava sozinho na urgência, tinha sido trazido por uma ambulância dos bombeiros, que a escola tinha chamado. O bombeiro pediu-me que lhe assinasse o verbete: "Um rapaz foi agredido na escola", informou-me. Com um ar calmo assistia à triagem de outras crianças, enquanto esperava pela sua vez de ser observado. Apressei-me a chama-lo, e trouxe-o para a minha sala de observação. Enquanto não chegava o pai limitei-me a conversar com ele. Tinha ar de rapaz bem comportado, mas não tinha ar de "marrão". Marcou-me a voz calma, envergonhada, o ar de derrota resignada e a surpreendente naturalidade com que relatava os acontecimentos. Ele tinha 13 anos, e à porta da escola tinha sido rodeado por um grupo grande, não conseguia atirar um número, de rapazes que estimava um pouco mais velhos que ele. Desses, quatro investiram simultaneamente sobre ele incitados pelos restantes. Pontapearam-lhe a cabeça e as costas, enquanto ele se encaracolava no chão em posição defensiva. Não mostrou qualquer resistência. Não lhe roubaram nada, carteira telemóvel... Ele conhecia-os vagamente, de os ver a cirandar pela escola, mas nunca tinha tido nenhum envolvimento pessoal com eles. Desconhecia qualquer motivo pessoal para a agressão. Tratava-se portanto de violência pura, gratuita, desprovida de intenção. Um fenómeno de grupo, eventualmente parte de um rito iniciático de algum gangue mais ou menos organizado. Gratuito. Não era a primeira vez na escola. Pior, não era a primeira vez que o Pedro era espancado na escola, já o havia sido por outro grupo.
Chegado o pai, alto e corpulento, observei o Pedro. Alguns hematomas, umas contusões aqui e ali, mas felizmente nada de maior. Sugeri ao pai actuação perante as autoridades próprias, ao que o pai responde, com frustração espelhada nos olhos: "São menores, doutor... Não vale de nada...". O Pedro não o mostrava, mas imagino, só imagino, a perspectiva de voltar para a escola... A frustração, a impotência, o medo...

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Convulsões febris

No último banco recebi um bebé que tinha tido uma convulsão com febre, o Tomás.

As convulsões febris são extremamente frequentes, e têm um prognóstico muito bom. Acontecem mais frequentemente em filhos de pais que tiveram convulsões febris na infância. Geralmente a convulsão surge na subida térmica, e os pais só se apercebem da febre já durante ou após a convulsão. Começa de repente, e caracteriza-se por "abanões" dos braços e pernas, por vezes com "revirar dos olhos" e "espumar da boca", com o corpo tenso. Geralmente duram pouco tempo (5 minutos, mais coisa menos coisa - o que parece, eu sei, uma eternidade aos pais) e segue-se um período de grande sonolência, discurso incoerente, olhar vago, a que chamamos "estado pós-crítico". Depois devagarinho voltam a si, e recuperam o estado geral que tinham antes da convulsão. Só nesta altura a maioria dos pais começa a ficar um pouco mais tranquilo. A maioria das crianças com convulsões febris tem apenas um episódio, mas mesmo da minoria com episódios repetidos são muito poucos os que efectivamente têm uma epilepsia. Daí que, se a crise é típica, só após o primeiro episódio vale a pena fazer exames complementares de diagnóstico (electroencefalograma, por exemplo). A longo prazo não há qualquer consequência das convulsões febris. Em regra estas crianças são internadas, durante menos que 24h, fundamentalmente para que os pais vão "entranhando" essa noção de benignidade das convulsões febris. Vêm o filho deles bem disposto, ouvem a mesma coisa de múltiplos profissionais, e ficam então preparados para voltar a casa.

A maioria dos pais vêm na convulsão um evento muito perigoso. Não os censuro, é um episódio extremamente stressante, em que os pais têm a sensação de que os filhos (chamemos as coisas pelos nomes) vão morrer. Tentam uma série de coisas para evitar a mordedura da língua (o que já agora não se faz: nunca se coloca nada na boca de alguém com uma convulsão!), e esquecem-se de os proteger (impedir que caiam da cama, ou que batam nos móveis). Por vezes abanam as crianças (uma reacção também natural mas errada), o que pode por si provocar muito mais lesões que a convulsão em si. Depois esquecem-se, na aflição, de colocar os cintos de segurança no automóvel, e conduzem como loucos para o Hospital mais próximo - sujeitando-se a acidentes graves sem que a criança vá adequadamente presa...

O Tomás teve a sua primeira convulsão febril, e os pais levaram-no para a Urgência Pediátrica. Quando lá chegou já tinha cessado a convulsão, e ficaram por isso a aguardar a minha observação (a maioria das convulsões entra directamente para a sala de "reanimação", dado o aparato de que se revestem). Quando o chamei, depois de ter lido a informação da triagem, esperava a habitual entrada de rompante, com pais lavados em lágrimas e crianças sorridentes nos braços. Em vez disso, no entanto, entraram dois pais jovens, serenos, que me sorriram ao entrar, cumprimentando-me. O Tomás vinha ainda um pouco abananado, ainda vagamente em pós-crítico. Um pouco surpreendido continuei a fazer as perguntas da praxe, e concluí que se tratava de facto de uma provável convulsão febril. Ao observar o Tomás, então já de sorriso escancarado, arrisquei: "Então qual dos pais é que teve convulsões febris em pequeno?". Fora a mãe. Confrontei-os com a surpreendente calma com que entraram, e retorquiram que, apesar do stress provocado pelo episódio, o facto de o pai ser Bombeiro tinha-os feito ver a situação de forma um pouco diferente. Compreenderam muito bem todas as implicações daquela situação, e no final resolvi (já que se encontravam tão calmos) propor a alta imediata. Abri-lhes as portas, que se quisessem e não se sentissem tranquilos ficavam lá essa noite, mas que para o Tomás era sem dúvida melhor estar num ambiente conhecido, que não havia risco, que a única intenção do internamento seria conferir-lhes tempo para encarar a situação com naturalidade. Entreolharam-se e disseram em coro "Então vamos para casa". Despedidas, e lá foram eles, serenos como entraram.
E eu fiquei um pouco mais bem disposto (dentro do que se consegue estar com 60 horas de trabalho - na sua maioria nocturno - em 5 dias).

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ele diz...

... que o que as crianças precisam é de Amor e Disciplina. Um grande senhor.

sábado, 27 de setembro de 2008

Memórias

Tenho recordação viva de, aos 7 anos de idade, me chocar com as notícias na televisão... Faz (já) 20 anos. Lembro-me de cantar de cor as músicas dele, a tocar no rádio da cozinha da minha avó (dele e do Marco Paulo, enfim... sem comentários). Como homenagem, um grupo de artistas vai lançar um CD em que vários artistas portugueses interpretam as suas músicas. Vai ser arrepiante ver o Tiago Bettencourt a canta-lo. Sou só eu ou eles são vagamente parecidos?
(via blimunda)



sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Vão lá espreitar!

Um amigo, devoto Pediatra e barreirense, resolveu iniciar-se nas lides bloguísticas! Fica aqui o destaque, e um post quer vale mesmo a pena:

"Não me batas mamã"

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Quem descobre?

Este azulejo encontra-se junto ao portão de uma casa antiga no burgo medieval de Castelo de Vide.

Quem descobre o que significa e qual é a intenção daquele azulejo?

sábado, 20 de setembro de 2008

O balão do Luís


O Luís era um menino como os outros. Gostava de fazer tudo o que as outras crianças fazem, como correr, brincar, saltar... Até que um dia uma dessas brincadeiras banais, aparentemente inofensiva, modificou a sua vida para sempre. O Luís não se afogou na piscina ou no tanque, como infelizmente tantas vezes acontece, nem caiu de nenhum muro. Estava, tão simplesmente, a brincar com balões. Juntamente com os irmãos, rebentavam balões e brincavam com os restos dos mesmos. Também eu me recordo de, em criança, colocar um pedaço de balão encostado aos lábios, com a boca aberta, e aspirar o ar para criar um novo balão dentro da boca, que depois orgulhosamente mostrava aos amigos. E era exactamente isso que o Luís fazia, imitando os irmãos mais velhos que exibiam os seus pequenos balões de "pipo" torcido. Mas o Luís, com 3 anos, não conseguiu fazer um balão. Aspirou, em vez disso, o fragmento de balão, que se "colou" na garganta impedindo a entrada de ar nas vias aéreas. E, portanto, sufocou.

O Luís sobreviveu. Não pode, apesar disso, brincar como brincava. Não é capaz de correr, não é capaz de saltar, nem mesmo de andar. As lesões cerebrais provocadas pela asfixia foram muito graves, e o Luís ficou confinado a uma cama, incapaz mesmo de falar e provavelmente de compreender grande parte do que lhe é dito. É alimentado por um orifício criado no abdómen, por não poder mastigar e engolir, que lhe leva as papas e alimentos triturados directamente para o estômago. O Luís é hoje um adolescente, preso à sua cama e ao seu mundo pequeno, com frequentes internamentos por infecções respiratórias e outras complicações das múltiplas sequelas que este acidente horrível lhe provocou.

Se não serve de consolo ou remédio, serve pelo menos este desabafo para despertar um pouco mais as atenções para estes perigos disfarçados de brincadeiras... Dêem uma vista de olhos pelo site da APSI, e saibam como evitar os acidentes mais frequentes. Não acontece só aos outros, os acidentes são a principal causa de morte em crianças após o primeiro ano de vida...

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Fim de semana

O local do crime

Castelo de Marvão

Vila de Marvão

Castelo de Vide

Senhora da Penha - Castelo de Vide


Barragem da Apartadura

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Quando vens?

(A música é claramente um "guilty pleasure")

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Frase (1)

"Por favor deixem-me entrar na casinha, senão faço chichi pelas orelhas!!"

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Difícil dizer melhor

A minha colega (e amiga) Paracuca resume assim como é ser médico. Uma perspectiva realista e dura, mas muito verdadeira e assustadora. Não nos assustará tanto o inexorável erro médico se fizermos tudo para o evitar, talvez...

domingo, 7 de setembro de 2008

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Uma questão linguística...














Há uns meses atrás, estava eu - para variar - de banco, quando me aparece uma menina de 7 anos acompanhada pelos seus pais. História: Passeavam pelo Jardim Zoológico, quando viram o recinto das girafas. Entusiasmada pelas capacidades fabulosas da língua da girafa, a menina decide deitar a língua de fora. Os pais, animados pela brincadeira, iniciaram então uma sessão de "língua de girafa", imitando os três a extraordinária flexibilidade da língua do animal. Ei senão quando, ao olhar para a língua da sua filha em plena extrusão, viram aterrados algo que os fez recorrer a cuidados pediátricos urgentes... Umas "bolas", lá bem ao fundo da língua, tão bizarras que só podiam ser doença. As ditas bolas, expliquei-lhes depois (contendo afincadamente a diversão provocada por evento tão curioso), são papilas gustativas (as chamadas circunvaladas, na imagem abaixo) dotadas de sensibilidade para o paladar amargo... A pesquisa de imagens do Google deu-me uma ajuda, para os convencer da normalidade de tais "bolas". No entretanto, já que estavam de língua de fora, podiam ter espreitado para a boca um do outro. Aperceber-se-iam da presença das ditas cujas...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

domingo, 31 de agosto de 2008

No limbo

Quando nasceu pesava pouco mais de meio quilo. É muito pouco, de menos, e assustador quando pensamos que pesava tanto como meio pacote de leite (eu tenho esta mania de comparar tudo com pacotes de leite). Mas aquela pequena amostra de gente mostrava querer ficar entre nós, e num acto entre o heroismo e a piedade permitiu-se que assim fosse. A mãe, uma adolescente assustada, não tinha planeado nada daquilo. Saía completamente fora dos seus planos, e esconder a gravidez foi a solução que encontrou. Da mesma forma, continuava a desejar que aquilo não lhe tivesse acontecido. E nesse não (querer) amar, não fez análises, ecografias, não assumiu quaisquer outras formas de vigiar a gravidez. Não sabemos o que fez, ou o que aconteceu, para que às 23(?) semanas o bebé nascesse. Mas nasceu. Ela certamente não queria que ele nascesse. Queria que ele desaparecesse, que minguasse, que se escondesse, e, o ideal, que aquilo nunca tivesse acontecido. Mas nasceu. E, pior, chorou.




A perspectiva que tem um bebé no limiar da viabilidade (actualmente as 23 semanas), é muito complexa. A indução maturativa (administração à mãe de medicamentos para acelerar o amadurecimento dos pulmões e outros órgãos do bebé) e a administração de surfactante pulmonar vieram modificar muito a vida dos prematuros, trazendo-lhes uma esperança acrescida de vida. E quando se fala de um prematuro, não falamos só de vida ou morte. Falamos também (tema polémico e difícil) de QUE vida. A prematuridade extrema pode resultar em inúmeras sequelas, danos crónicos que no limite podem ser compatíveis com formas de vida muito frágeis. E portanto, não sendo Deuses, temos por vezes que nos confrontar com decisões extremamente difíceis. Investir, ou não, em salvar a vida de uma criança no limiar da viabilidade? Se investirmos em excesso estamos, nos casos limite, a prolongar a vida durante alguns dias ou semanas em condições miseráveis (tubos por todos os lados, apitos, barulhos, picadas, dor, medicamentos...), acarretando um sofrimento acrescido para os pais e bebés (e médicos...) absolutamente desnecessário. Por outro lado, em situações de fronteira, o excesso de investimento pode permitir a sobrevivência de crianças com quase nulo contacto com o exterior, com múltiplas doenças graves, com necessidade de múltiplos internamentos, com complicações atrás de complicações até que a vida se finde ao fim de alguns anos de tortura passados em camas de hospital. E se alguns deles são pelos corajosos amados (mas sempre com altos e baixos), outros são abandonados. Pareceria misericordioso, depois de corrida a tinta e espreitado o fim do livro, que se tivesse deixado pura e simplesmente a natureza seguir o seu curso, proporcionando o conforto necessário enquanto o coração se apagava. O problema é que nos falta a bola de cristal, e naquele momento nunca sabemos que tipo de vida estamos a - horrenda decisão - permitir ou impedir. E numa fracção de segundo, com três enfermeiros, um interno de pediatria, dois obstetras e um anestesista a espreitar por cima do ombro, decidir - não se crendo ou querendo ser Deus - a vida ou a morte de um ser humano. Quando o que na faculdade nos ensinam, o que as pessoas esperam de nós e o que nós queremos fazer é salvar vidas, a melhor atitude pode por vezes ser esperar, em sossego (e tumulto interior), a morte.

Três dias depois de ter nascido, depois de intubado, picado, repicado e medicado, e num aparato de apitos e alarmes, o bebé morreu.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Uma verdade soprada ao ouvido

Há dias em que sinto que nunca serei capaz de saber tudo o que faria de mim um bom Pediatra - especialmente aqueles dias em que estudo e leio artigos científicos, e me sinto burro e pequenino. Felizmente são poucos (devia estudar mais vezes, eu sei...). Mas os dias que valem mesmo a pena são aqueles em que me sinto capaz de tudo, feito para isto, e esses apagam os dias menos bons e enfiam-nos num saco. Esses dias não vêm quando estudo ou leio, mas quando estou no terreno, a "meter a mão na massa", a ver doentes, a pensar, a diagnosticar e agir*.

Naquele banco vi dezenas de "dores de barriga", e dezenas de dores de barriga enviei de volta para casa, com diagnósticos como "gastroenterite aguda", "obstipação", ou o brilhante diagnóstico "simples-dores-de-barriga-não-sabemos-porquê-mas-não-parece-nada-de-grave". Já ao entrar da noite, ao cruzar-me com a minha colega Paula no corredor comentei: "Hoje já vi dezenas de dores de barriga, tenho a certeza que algum volta amanhã com uma apendicite aguda. O problema é que não sei qual deles...". Ela sorriu, e seguiu o seu caminho. Sentei-me então no meu gabinete e chamei o Pedro.
O Pedro tinha 9 anos, e a ficha de triagem informava-me que tinha - surpresa! - dor de barriga. Ao ve-lo entrar no gabinete pensei: "Este miúdo tem uma apendicite.". Tinha qualquer coisa que não me deixou tranquilo (o tal "mau ar", termo subjectivo que detestava até me ver confrontado com a inevitabilidade da sua utilização, à falta de descrição mais assertiva), mas a história contada era inocente, e a observação do doente não era característica de apendicite. Os sinais clássicos não estavam lá, e tinha muito pouca coisa dos menos clássicos. Um conflito estabeleceu-se dentro de mim, entre o meu feeling pessimista e o meu lado racional - que não tinha nada a que se agarrar para deixar seguir o feeling. E enquanto a minha boca apressada explicava que ia pedir análises laboratoriais, uma voz soava-me na cabeça "Tu não és de pedir exames desnecessários, o que é que estás a fazer!?". O Pedro saiu, descontente com a ideia de ser "furado", e eu continuei a trabalhar.
Algum tempo depois chegaram as análises. Ao abri-las, uma surpresa: parâmetros infecciosos elevados. Pedi-lhe uma ecografia abdominal et voilá, lá estava ela. Foi operado, e resolvido o problema.

Os exames laboratoriais e de imagem devem, de facto, ser usados com critério rigoroso. Mas tenho vindo a aprender que nunca devemos menosprezar um feeling... Às vezes há alguém a soprar-nos a verdade ao ouvido... E isto de ser médico às vezes é dificil.

* Tens razão MM

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ando a cantarolar isto

Tive a sorte de assistir a uma "ante-estreia" desta música num mini-concerto da Mariza.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Erro de cálculo

A Anilde, uma linda menina negra de 4 anos, caíu. Fez uma ferida no meio da testa, não muito grande, e foi assim com os seus pais à Urgência. Depois de a convencer que colocar Steristrips não custava nada, coloquei as luvas.

Pergunta da praxe:

- "Então quem é que tem umas luvas iguais às minhas, assim branquinhas?"

- "..."

- "Dou-te uma pista: tem orelhas muito grandes e pretas!"

- "Ah! A minha tia Felicidade!"

Resolvido o problema, na fase das despedidas, fez uma cara triste e perguntou entredentes se eu não lhe ia pesar o coração. Disse-lhe que tinha a certeza que era muito grande e pesado. Vá-se lá entender.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Um confronto difícil

Durante toda a gravidez a Susana imaginou como seria o Pedro. Imaginava-o moreno, de cabelos lisos - como a mãe - mas tinha uma leve esperança que ele tivesse olhos verdes. Apesar de tudo o pai tinha-os claros, e na família da mãe - dizia a tia Micas - havia uns dois ou três primos afastados com olhos assim. E um moreno de olhos verdes é sempre especial. Imaginava como seria a sua voz, o seu choro até. Tinha planos para enormes passeios, pelos vários jardins da cidade, uma visita ao Oceanário quando fosse maiorzinho. De certeza que o Pedro ia gostar de peixes, o pai pescava nos tempos livres e a Susana tinha um quê de ambientalista. A Susana achava que o Pedro ia ser bom aluno, tinha uma série de estratégias infalíveis para que ele gostasse de estudar. Tinha pensado até em estimular-lhe o gosto pela música, umas aulas de piano talvez. A mãe dela avisava-a, meio na brincadeira, que as coisas podiam não ser assim, que o que importava é que viesse com saúde - mas recordava que na ecografia 3D tinha o perfil do avô, um homem de carácter sério. Só podia ser um homem a valer.
Um dia, depois de muito penar, o Pedro chegou finalmente. Era moreno, como a mãe previra, olhos ainda cinzentos e escondidos. Era sem dúvida diferente do que tinha imaginado - o perfil era o do tio - e limitava-se a chorar, mamar, e fazer as suas necessidades (um cocó verde escuro horrível que nunca tinha passado pelas fantasias da Susana, mas que era normal - dizia a Enfermeira). Mas era o bebé mais lindo que ela alguma vez tinha visto (as mães com que partilhava a enfermaria do puerpério diferiam da sua avaliação comparativa, mas isso que importava...). Era o seu bebé e, apesar de nada ter sido até então como tinha imaginado (e, que raio, como as amigas com bebés lhe tinham dito) estava serena e confiante. Esperava então a primeira visita dos Pediatras, mas como o Pedro tinha nascido ao fim do dia isso iria ficar para a manhã seguinte.

Pelas 9h00 daquele dia, a Dra. Inês (futura Médica de Família a estagiar em Pediatria no Puerpério) agarrou na craveira e na fita métrica e seguiu para a cama dois. Como aquele bebé, o "Filho de Susana ...", não tinha sido visto ainda cabia-lhe a tarefa de fazer um enorme rol de perguntas relativas à gravidez e parto. Tratava-se do primeiro filho de uma jovem de 25 anos, cuja gravidez tinha sido desejada, planeada e vigiada de forma adequada. Tinha todas as análises e ecografias normais, feitas nos tempos certos. Nada falhara. O parto tinha decorrido sem intercorrências de maior, e o bebé estava aparentemente bem, se bem que preguiçoso a mamar. Bebé despido para observar, começou pela auscultação cardíaca. Não conseguindo disfarçar a apreensão, explicou à mãe que lhe parecia ouvir um sopro e que ia pedir a opinião de um outro colega. A Inês chamou-me, eu tinha acabado de dar uma alta e podia naquele momento ir com ela. No corredor uma Enfermeira alertou-me: "O bebé da cama dois, além de estar preguiçoso para mamar, está um bocado hipotónico." Como era o mesmo bebé, fiquei um pouco mais preocupado, mais atento. Quando cheguei ao pé da Susana o seu olhar dizia tudo, não tinha brilho. Estava claramente preocupada, e antes sequer de poder observar o bebé fui bombardeado com perguntas. Expliquei que tinhamos que avaliar o bebé, com calma, e que só depois poderíamos adiantar mais coisas. A auscultação era claramente "não normal", e diferente da maioria dos sopros "inocentes" que ouvimos todos os dias em tantos bebés. Era provável que existisse mesmo um problema cardíaco, mas a sua natureza era incerta. Esta foi toda a informação que a Susana foi capaz de reter naquele momento. Tudo o resto que eu tinha para lhe dizer ia ter que esperar pelo dia seguinte. Expliquei-lhe que tinhamos que esperar algum tempo, para percebermos como evoluiam as coisas nas horas seguintes. Quando saí da sala a Susana chorava em silêncio.

Quando o Pediatra saíu a Susana começou a chorar. Tinha percebido que não seria assim tão simples como ali tinha sido dito, mas aquela informação era já demasiada para o que conseguia aguentar. O embate era grande, o bebé perfeito que ela tinha imaginado não existia. Tinha um problema, e talvez fosse maior do que estava preparada para admitir naquele momento. Durante o resto do dia a Susana dedicou-se ao seu pequeno. Afinal as mamadas seguintes correram melhor, e o bebé adaptou-se um pouco mais à mama. Conversou longamente com o João, o seu marido, e com a sua mãe, e ao longo do dia o confronto entre o bebé imaginado e o bebé real foi dando lugar a uma aceitação maior. Afinal, fosse o que fosse, aquele era o seu filho, o seu bebé, e ela tinha que ser forte "no matter what".

Quando no dia seguinte voltei a falar com a Susana senti-a diferente. Estava mais calma, e parecia estar já preparada para o resto. Voltei a observar o bebé atentamente, e expliquei-lhe que encontrávamos uma série de pequenas alterações físicas no bebé, cada uma delas com um significado muito pequeno por si. Expliquei-lhe que se cada uma delas viesse num bebé diferente nenhum deles merecia preocupação, e deles diríamos "não é defeito, é feitio!". Mas todas aquelas pequenas alterações juntas podiam significar mais alguma coisa. Era possível que algum defeito genético estivesse na base de tudo aquilo, como era - apesar de tudo - possível que fosse só mesmo "feitio". E só uma investigação feita com calma e em consulta, com a ajuda do passar do tempo, podia dar alguma resposta a todas as questões que se levantavam naquele momento. Contrastando com a reacção do dia anterior, vi nos olhos da Susana uma determinação paciente - a de amar o Pedro independentemente de tudo o que o tempo pudesse trazer. A diferença era abismal em relação à véspera: as pessoas às vezes precisam de tempo. Quando saí ficou a ler atentamente o que eu tinha escrito no boletim de saúde, onde enumerava as várias alterações encontradas.
Senti que de todas as coisas que eu disse houve uma que ficou a ecoar na memória da Susana: "Goze o seu bebé agora que estes tempos não voltam atrás. Deixe as notícias chegar, melhores ou piores, a seu tempo. Mas não adie a oportunidade que tem agora, enquanto elas não chegam.". Pelas piores razões, sei que vou ficar para sempre na memória daquela mulher.

Ontem à noite...

... houve eclipse lunar.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Estranhos corpos estranhos

Os miúdos são capazes de tudo pela emoção de experimentar algo novo. É a conclusão a que chego. E mais os miúdos, as miúdas têm mais tino e procuram aprender coisas sem se magoarem. É menos frequente, apesar de não ser raro, vermos uma menina com um bago de milho espetado no nariz.


O António tinha já 5 anos quando lhe apeteceu ver o que acontecia se um bago de milho das pipocas que comia ao lanche ficasse encravado na narina esquerda. O pai aflito levou-o à Urgência, depois de ele lhe explicar tranquilamente que, por nenhuma razão válida, tinha experimentado. Eu costumo perguntar "porquê", especialmente quando já têm idade para ter (um pouco mais de) juizo, mas nunca obtive mais que um encolher de ombros e um sorriso como resposta. Lá dentro daquelas cabeças deve haver uma explicação, alguma história mirabolante sobre um micro-submarino com micro-cientistas que entra pelos nosso orifícios para nos curar as maleitas mais ocultas (eu adorava filmes desses, ficava sempre fascinado com o aspecto do corpo humano por dentro - geralmente fruto de uma imaginação fértil e desprovida de qualquer ligação à realidade). No entanto essas histórias, como não fazem sentido no mundo dos adultos, ficam por contar e resumem-se num encolher de ombros envergonhado. Mas o António teve sorte. Pedi que se assoasse enquanto lhe tapava a narina direita e "POP", bago de milho cá fora. Pai envergonhado, "realmente não me lembrei dessa..."; miúdo repreendido, "nunca mais!"; pediatra discrente pensando que aquilo até não custou nada e o miúdo achou piada à cena.

A Maria era mais pequenina, tinha 2 anos. Foi com a mãe à Urgência porque tinha mau hálito. "Há vários dias, doutor, cada dia mais mal cheirosa. Tem que ser alguma coisa!". Conhecendo já bem a habitual tentação, espreitei pelo nariz. E lá ao fundo, bem lá ao fundo, qualquer coisa esbranquiçada com um ar esponjoso. Arranjei uma pinça bem comprida, própria para estas coisas, e apanhei-lhe uma pontinha. Devagarinho puxei, puxei (com os pais a agarrar muito bem na Maria - acho que até eu esperneava se me fizessem uma destas), e "POP", sai um pequeno cilindro de esponja branca. "Onde raio..." pergunta a mãe, mas mais um problema resolvido.

O Pedro teve menos sorte (mas a mesma dose de arrojo) quando tentou ver se uma peça de plástico que se tinha partido de um carrinho cabia no ouvido. O problema é que entrava mesmo à justinha. Saír é que nem por isso. De tal maneira que o Pedro, depois de uma pequena tourada para se deixar observar, teve que ser anestesiado no bloco operatório para a Otorrino lhe tirar o dito plástico. E quando depois de tudo isto lhe perguntei se tinha aprendido a lição disse-me "Não custou nada, estava a dormir...". Parece que a aprendizagem ficou para uma próxima.

A Olena tinha 8 meses quando a mãe lhe tentou dar pela primeira vez um feijão, descascando-o. No entanto ela não estava preparada para um alimento sólido tão precocemente na sua vida, e assim engasgou-se com o feijão, deixando a mãe de insistir com alimentos sólidos. Pareceria uma história simples, não fosse a Olena ter ficado, desde então, com dificuldade em respirar e com muita tosse. A minha observação da Olena não deixava dúvidas: ela tinha qualquer coisa, possivelmente o feijão, a obstruir um brônquio do pulmão direito. Algumas horas depois um Pneumologista com jeito para a pesca observava atentamente o dito feijão descascado na palma da sua mão, juntando-o à sua colecção de objectos retirados de brônquios mesmo ao lado do caracol.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O cheiro

Descrever cheiros é difícil. Os outros sentidos são mais fáceis, racionalizam-se mais. Os cheiros estão lá, e se podemos achar que nos são indiferentes, na verdade tocam-nos em zonas que não controlamos tão bem como a razão - as emoções. Parece bizarro, apesar de cientificamente correcto, mas o olfacto é o único sentido que tem uma ligação directa (anatomica e funcionalmente falando) com os centros da emoção no nosso cérebro. Por isso tocam-nos mais fundo, e de forma menos consciente.


Reentrar no bloco de partos, ou no berçário, dá-me sempre um baque. Cheira a recém-nascido. Não cheira a bebé, isso vem depois. É diferente. E todos os recém-nascidos cheiram mais ou menos ao mesmo, como cheirava o meu. E então quando posso viajo ao dia em que o vi pela primeira vez, de olhos negros bem abertos. "Então és assim, o meu filho", pensei. Estava à espera de amar perdidamente aquele bebé no instante em que ele saíu. Mas na verdade era um desconhecido que ali estava, que eu vi saír da barriga da mãe, que tinha ainda que conhecer. Depois, enquanto ele estudava atentamente as mãos apresentei-me formalmente. "Olá filho. Eu sou o teu pai. Benvindo." Nessa noite deixei-os na maternidade, e em casa demorei a adormecer, imaginando como estaria ele, e como seria o futuro a três. Mas foi só alguns dias depois que realmente caíu a moeda, e que me apercebi que era mesmo pai. E depois foi cada dia melhor, um amar enorme e transbordante, incapaz de estar contido em qualquer conjunto de palavras.

Assim, quando posso, revivo pelo cheiro dos bebés dos outros todos aqueles momentos estranhos, e no entanto tão grandes.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Um acidente terrível



O corpo humano é capaz de coisas extraordinárias. E o de uma criança é ainda mais fabuloso.

A Margarida, uma pequena de 2 anos, estava a brincar num baloiço quando por acidente caíu. Teve um enorme azar, que se veio depois a verificar estar revestido de muita sorte.

Chegou à Urgência Pediátrica rodeada de um enorme aparato, e todos correram para a sala de reanimação. Cada um que se aproximava, fosse médico, enfermeira ou auxiliar, punha no rosto uma enorme tensão, denotando a angústia que causava a cena a que se assistia. Contavam os bombeiros, com o terror espelhado nos olhos, que no local a menina ainda falava. Foi já no caminho para o Hospital que se foi apagado aos poucos, chegando já inconsciente.

Baloiçava com um lápis na mão, quando caíu. O lápis penetrou o canto interno do olho, ficando apenas alguns centímetros de fora. A TAC, feita no hospital, mostrava todo o trajecto do lápis. Milagrosamente não tinha atingido o olho, passando rente ao mesmo, e furando a órbita para o interior do crânio. Tinha cerca de 10 centímetros de lápis, completamente inteiro, perfurando o cérebro. Várias funções neurológicas estavam afectadas, prevendo-se um desfecho trágico.

Mas o tempo veio trazendo, devagar, uma discreta esperança. Foi operada de urgência, removendo-se o lápis, e depois veio gradualmente a recuperar as funções que tinha perdido. Ao fim de um prolongado internamento estava já praticamente bem, sem aparentes sequelas deste horrível acidente. É de facto espantosa, quase sobrehumana, a capacidade de recuperação das crianças. E a Margarida é disso um exemplo cabal.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Eu vi

Este foi o único vídeo que encontrei desta dupla insólita. Ouvi um mini-concerto destes dois Senhores em Ofir, no Minho, que me deixou a sonhar. A companhia ajudou, e muito.

Insólito?

Pode chamar-se insólito quando nos acontece três vezes no mesmo dia? O que ando eu a dizer às mães dos recém-nascidos que ando a observar pelas manhãs, que as faz levar as mãos aos botões das camisas de noite? Certo é que digo "Vamos despir", mas tenho o cuidado de preceder por um "Bom dia, venho ver o seu bebé!". Bem sei que as hormonas nessa fase andam um bocado avariadas.
Bem sei, digo, porque já pari. E porque não há regras, ou se há aqui mando eu, aproveito para contar que este longo silêncio deu para crescer(mos), engravidar(mos), e deixar crescer até aos 15 meses essa coisa boa que fiz(emos), entre as cerca de dois milhões de urgências. Continuo na minha Pediatria, a minha mariamadalena* em Ginecologia-Obstetrícia, cansados mas felizes. Quem sabe, a convença a desabafar por aqui um dia, ela que tem tantas histórias para contar.
Mas isto para dizer que vou passar a dizer, porque entendo, "Vamos despir o bebé!". Porque é capaz de não valer como insólito, se me vai acontecendo. Deve ser culpa minha.

* Sabes que escrevo para ti. Já tinha saudades. Obrigado!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Sem compromisso...

... mas vai crescendo uma vontade ... de desabafar outra vez.