O exame foi. Não foi facil, não foi dificil. Foi. Mas a recompensa de todo o estudo valeu a pena, a nota estimada (segundo a chave provisória de correcção) acabou por ser bastante boa, e deverá rondar os 17,5 valores. A minha cara-metade foi a minha nota-metade, e teve a mesmíssima nota que eu! Será portanto mais fácil decidir o futuro. A principal recompensa, essa, é regressar à vida como disse no post anterior.
O blog regressará agora, espero, à sua antiga forma. Tenho trabalhado que nem um doido (muito melhor do que estudar que nem um doido), e vou tendo muitas histórias para contar! A ressaca do exame já passou, o Natal já passou, e as festas estão a acabar. Podem, por isso, contar com mais posts (um por semana é uma vergonha...). Palavra de escuteiro!!
quinta-feira, 29 de dezembro de 2005
De regresso!
Finalmente de regresso à vida! De regresso aos jornais, de regresso aos livros, de regresso à família, de regresso ao trabalho duro, de regresso ao blog!
terça-feira, 20 de dezembro de 2005
quinta-feira, 15 de dezembro de 2005
Run, Forrest, Run!
Sinto-me um pouco como o Forrest Gump a tentar correr para a meta com aquele metal todo nas pernas... É que faltam só 5 dias para o fatídico dia em que todo o meu futuro se decide. O facto de já ter comemorado um aniversário da data em que comecei a estudar para este exame (vide aqui a primeira referência neste blog ao dito monstro) deixa-me um sabor amargo na boca, e a sensação de que é o mundo, e não o estudo, que vai acabar no dia 20... As minhas costas estão numa desgraça, estou cada vez mais pitosga, e as minhas olheiras aproximam-se perigosamente do pescoço. Acham que 8 cafés por dia são demais? O médico diz-me que sim, mas o que sabe essa gente dessas coisas? ;)
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The Long Way
terça-feira, 6 de dezembro de 2005
Pedro (2)
Não poderia, infelizmente, ter vindo mais a propósito. No dia 1 de Dezembro, dia mundial da luta contra a SIDA, reencontrei o Pedro. Contei-vos em Abril deste ano o dia em que o conheci.
Estagiava na altura no Centro de Saúde, mais precisamente no CDP (Centro de Doenças Pulmonares). Durante o estágio em Medicina Interna (que iniciei em Setembro deste ano) encontrei-o por várias vezes internado no serviço de Infecciologia. Tinha por hábito fumar nas escadas de acesso ao serviço, onde o encontrava muitas vezes com alguns outros doentes. Vi-o também algumas vezes a jogar às cartas e a beber café com o Sergei. Manteve sempre a aparência de criança doente que vos descrevi em Abril, mas conseguia a cada encontro estar mais magro, com as feições mais angulosas. A doença que injectou para dentro de si parecia consumi-lo dia a dia. Umas atrás das outras, as infecções oportunistas que a SIDA faz surgir pareciam consumi-lo com a mesma voracidade com que ele fumava os seus cigarros no corredor.
Mas na quinta-feira passada, dia mundial da luta contra a SIDA, encontrei o Pedro no SO do Serviço de Urgência. Estava magro como não se imagina ser possível, sem músculos que lhe permitissem andar. As pernas e os braços encarquilhados, querendo retomar a posição fetal. A respiração ofegante, o olhar incerto, a linguagem quase imperceptível. Pedia por água, debatia-se com as secreções para conseguir falar. A fralda ajudava a reduzi-lo ao mínimo que pode ser considerado um ser humano. Já tinha por várias vezes arrancado os soros, e tinha por isso as mãos amarradas. Alarguei um pouco as cordas, o suficiente para ele tomar uma posição um pouco mais confortável, mas que não lhe permitisse voltar a arrancar os soros. O Pedro espera pela morte. Oito meses depois de ter ido pelo seu pé à consulta do CDP, poucos meses depois de o ver deambular pelo corredor agarrado ao suporte do soro, o Pedro espera agora pela morte no SO. A SIDA estava a ganhar a luta, no dia mundial da luta contra a SIDA.
Estagiava na altura no Centro de Saúde, mais precisamente no CDP (Centro de Doenças Pulmonares). Durante o estágio em Medicina Interna (que iniciei em Setembro deste ano) encontrei-o por várias vezes internado no serviço de Infecciologia. Tinha por hábito fumar nas escadas de acesso ao serviço, onde o encontrava muitas vezes com alguns outros doentes. Vi-o também algumas vezes a jogar às cartas e a beber café com o Sergei. Manteve sempre a aparência de criança doente que vos descrevi em Abril, mas conseguia a cada encontro estar mais magro, com as feições mais angulosas. A doença que injectou para dentro de si parecia consumi-lo dia a dia. Umas atrás das outras, as infecções oportunistas que a SIDA faz surgir pareciam consumi-lo com a mesma voracidade com que ele fumava os seus cigarros no corredor.
Mas na quinta-feira passada, dia mundial da luta contra a SIDA, encontrei o Pedro no SO do Serviço de Urgência. Estava magro como não se imagina ser possível, sem músculos que lhe permitissem andar. As pernas e os braços encarquilhados, querendo retomar a posição fetal. A respiração ofegante, o olhar incerto, a linguagem quase imperceptível. Pedia por água, debatia-se com as secreções para conseguir falar. A fralda ajudava a reduzi-lo ao mínimo que pode ser considerado um ser humano. Já tinha por várias vezes arrancado os soros, e tinha por isso as mãos amarradas. Alarguei um pouco as cordas, o suficiente para ele tomar uma posição um pouco mais confortável, mas que não lhe permitisse voltar a arrancar os soros. O Pedro espera pela morte. Oito meses depois de ter ido pelo seu pé à consulta do CDP, poucos meses depois de o ver deambular pelo corredor agarrado ao suporte do soro, o Pedro espera agora pela morte no SO. A SIDA estava a ganhar a luta, no dia mundial da luta contra a SIDA.
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Hospital
sexta-feira, 2 de dezembro de 2005
Insónias
Há coisas que não se esquecem. E a situação que vivi ontem é uma delas. Daquelas que nos fazem custar a adormecer.
Pelas 12h00 de ontem, no Serviço de Urgência, um "triiiiim!" fez médicos, enfermeiros e auxiliares levantarem-se das cadeiras. Era a campainha da reanimação, que avisa da chegada de um doente grave. Tratava-se de uma mulher jovem, com 30 anos, que dizia, com as poucas forças que lhe restavam, que tinha uma falta de ar imensa. Conseguiu contar aos médicos que a falta de ar tinha começado de forma súbita, e conseguiu ainda responder a algumas perguntas relativas a factores de risco para algumas doenças que podem ser responsáveis por um quadro assim. Tentava, desesperada, respirar o mais profundamente possível, e quando percebeu que o mundo em seu redor lhe fugia disse "Vou Morrer". A tensão arterial descia a pique, o coração batia muito depressa, e ela rapidamente perdeu os sentidos. De seu redor, os auxiliares despiam-na, os enfermeiros tentavam desesperadamente canalizar uma veia, um médico fazia-lhe um ECG e um outro fazia intubação orotraqueal (colocação de um tubo na traqueia para conexão a um ventilador). O Cardiologista de urgência rapidamente chegou com o aparelho de ecocardiografia, e as peças do puzzle começavam a organizar-se: tratava-se provavelmente de um tromboembolismo pulmonar maçiço (um coágulo de grandes dimensões - formado na corrente sanguínea, geralmente nas grandes veias dos membros inferiores - desloca-se e oclui os grandes vasos que entram nos pulmões). O ecocardiograma mostrava várias alterações compatíveis com esse diagnóstico, e mostrava - segundo a segundo - um agravamento progressivo da função cardíaca. Rapidamente os pulsos deixaram de se sentir (um sinal claro que a função do coração era já muito baixa), e um médico iniciou massagem cardíaca. O monitor cardíaco mostrava agora que o coração batia cada vez mais devagar, e o ecocardiograma mostrou que batia cada vez pior. No meio de todos estes passos iam sendo administrados vários fármacos que tinham como objectivo melhorar a função do coração, e assim que o diagnóstico se tornou claro foi pedido ao enfermeiro que preparasse a trombólise. A trombólise consiste num farmaco capaz de destruir o coágulo que obstruia as artérias pulmonares, de forma a corrigir o problema que estava na base de todo aquele quadro catastrófico. Estava já a trombólise pronta para a administração quando uma enfermeira diz "esperem!!"... Tinha acabado de fazer a intubação naso-gástrica (colocação de um tubo até ao estômago para esvazia-lo do seu conteúdo), e esta drenava o que parecia ser sangue vivo. Em poucos segundos a incerteza esbateu-se: era sangue vivo que saía do estômago, e em quantidade significativa. Um frio gélido percorreu a sala. O problema não era o sangue em si, mas o facto de a hemorragia activa ser uma contraindicação absoluta para a trombólise. Ou seja, aquele achado tinha acabado de contraindicar a única coisa que poderia reverter aquele quadro gravíssimo, e que aguardava apenas o carregar de um botão para ser iniciada... As manobras de reanimação continuavam, entre a colocação de um catéter venoso central na veia femural (um acesso venoso para a administração de fármacos e soros) e uma gasimetria arterial na artéria femural. Rendi o colega que estava a fazer massagem cardíaca, e subi para cima do estrado. Entre algumas dezenas de compressões o Cardiologista fazia ecocardiograma, que mostrava que o coração já não era capaz de contrair. O monitor mostrava ainda complexos (que denotam a actividade eléctrica do coração), mas já muito espaçados. Tinham já passado 45 minutos desde a entrada da rapariga no Serviço de Urgência. Em poucos segundos surgiu a linha isoeléctrica (a linha plana que mostra a inexistência de actividade eléctrica), e o médico mais velho disse o que todos pensámos: "Acabou". Eu tinha ainda as mãos colocadas sobre o peito da rapariga, de pé em cima do estrado. Perguntei, pura retórica, "acabou?". "Sim, acabou" responderam-me. Uma dezena de profissionais de saúde baixavam os braços, em silêncio. Um silêncio aterrador, cortado apenas pelo barulho que alguns pares de luvas faziam ao serem tirados e deitados para o lixo. Não o "piiiiiii" constante que nos habituamos a ver nos filmes, mas em sua substituição um silêncio enorme. Desci do estrado, endireitei as costas, e tirei também eu as luvas. Em silêncio.
Pelas 12h00 de ontem, no Serviço de Urgência, um "triiiiim!" fez médicos, enfermeiros e auxiliares levantarem-se das cadeiras. Era a campainha da reanimação, que avisa da chegada de um doente grave. Tratava-se de uma mulher jovem, com 30 anos, que dizia, com as poucas forças que lhe restavam, que tinha uma falta de ar imensa. Conseguiu contar aos médicos que a falta de ar tinha começado de forma súbita, e conseguiu ainda responder a algumas perguntas relativas a factores de risco para algumas doenças que podem ser responsáveis por um quadro assim. Tentava, desesperada, respirar o mais profundamente possível, e quando percebeu que o mundo em seu redor lhe fugia disse "Vou Morrer". A tensão arterial descia a pique, o coração batia muito depressa, e ela rapidamente perdeu os sentidos. De seu redor, os auxiliares despiam-na, os enfermeiros tentavam desesperadamente canalizar uma veia, um médico fazia-lhe um ECG e um outro fazia intubação orotraqueal (colocação de um tubo na traqueia para conexão a um ventilador). O Cardiologista de urgência rapidamente chegou com o aparelho de ecocardiografia, e as peças do puzzle começavam a organizar-se: tratava-se provavelmente de um tromboembolismo pulmonar maçiço (um coágulo de grandes dimensões - formado na corrente sanguínea, geralmente nas grandes veias dos membros inferiores - desloca-se e oclui os grandes vasos que entram nos pulmões). O ecocardiograma mostrava várias alterações compatíveis com esse diagnóstico, e mostrava - segundo a segundo - um agravamento progressivo da função cardíaca. Rapidamente os pulsos deixaram de se sentir (um sinal claro que a função do coração era já muito baixa), e um médico iniciou massagem cardíaca. O monitor cardíaco mostrava agora que o coração batia cada vez mais devagar, e o ecocardiograma mostrou que batia cada vez pior. No meio de todos estes passos iam sendo administrados vários fármacos que tinham como objectivo melhorar a função do coração, e assim que o diagnóstico se tornou claro foi pedido ao enfermeiro que preparasse a trombólise. A trombólise consiste num farmaco capaz de destruir o coágulo que obstruia as artérias pulmonares, de forma a corrigir o problema que estava na base de todo aquele quadro catastrófico. Estava já a trombólise pronta para a administração quando uma enfermeira diz "esperem!!"... Tinha acabado de fazer a intubação naso-gástrica (colocação de um tubo até ao estômago para esvazia-lo do seu conteúdo), e esta drenava o que parecia ser sangue vivo. Em poucos segundos a incerteza esbateu-se: era sangue vivo que saía do estômago, e em quantidade significativa. Um frio gélido percorreu a sala. O problema não era o sangue em si, mas o facto de a hemorragia activa ser uma contraindicação absoluta para a trombólise. Ou seja, aquele achado tinha acabado de contraindicar a única coisa que poderia reverter aquele quadro gravíssimo, e que aguardava apenas o carregar de um botão para ser iniciada... As manobras de reanimação continuavam, entre a colocação de um catéter venoso central na veia femural (um acesso venoso para a administração de fármacos e soros) e uma gasimetria arterial na artéria femural. Rendi o colega que estava a fazer massagem cardíaca, e subi para cima do estrado. Entre algumas dezenas de compressões o Cardiologista fazia ecocardiograma, que mostrava que o coração já não era capaz de contrair. O monitor mostrava ainda complexos (que denotam a actividade eléctrica do coração), mas já muito espaçados. Tinham já passado 45 minutos desde a entrada da rapariga no Serviço de Urgência. Em poucos segundos surgiu a linha isoeléctrica (a linha plana que mostra a inexistência de actividade eléctrica), e o médico mais velho disse o que todos pensámos: "Acabou". Eu tinha ainda as mãos colocadas sobre o peito da rapariga, de pé em cima do estrado. Perguntei, pura retórica, "acabou?". "Sim, acabou" responderam-me. Uma dezena de profissionais de saúde baixavam os braços, em silêncio. Um silêncio aterrador, cortado apenas pelo barulho que alguns pares de luvas faziam ao serem tirados e deitados para o lixo. Não o "piiiiiii" constante que nos habituamos a ver nos filmes, mas em sua substituição um silêncio enorme. Desci do estrado, endireitei as costas, e tirei também eu as luvas. Em silêncio.
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