quarta-feira, 26 de novembro de 2008
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Amizade
Esta semana na Urgência chamei o Duarte, de oito anos. Entrou no gabinete acompanhado pela mãe, que trazia um ar agastado, com olheiras fundas e os olhos vermelhos. O Duarte mostrou-me um sorriso simpático, quando o cumprimentei, mas trazia nos olhos uma tristeza escondida. A mãe, preocupada, explicou-me que o Duarte fazia já uma semana que vomitava todos os dias. Uns dias duas, outros três vezes. Sem diarreia, sem febre. Apesar de tudo andava bem disposto, pelo que não o tinha levado antes aos cuidados de um médico. Mas nos dois últimos dias o Duarte apresentava outras queixas, que a preocuparam mais: queixava-se de dores de cabeça e tonturas (explicava-me ele que via a mesa e o livro na escola a caírem para o lado), e também de dores de barriga. Enquanto ele descrevia o que sentia e a mãe completava a descrição, eu ficava progressivamente mais preocupado já que aquela sintomatologia me apontava para um problema do Sistema Nervoso Central. Entretanto a mãe confessou que, mais que a sintomatologia em si, era a semelhança com a sintomatologia que o seu pai, avô do Duarte, apresentava desde há alguns meses que a angustiava. O avô do Duarte tinha uma leucemia com invasão do Sistema Nervoso Central, e estava a aproximar-se a passos largos da morte. Explicou-me a mãe que o Duarte apresentava exactamente os mesmos sintomas do avô, e que já não tinha mais forças para tolerar pensar que também o Duarte pudesse estar doente da mesma forma como estava o pai dela. Expliquei-lhe que era seriamente improvável que o Duarte tivesse uma patologia semelhante à do avô, mas que deixaria a sua observação dar-me mais dados. Observei cuidadosa e demoradamente o Duarte, fiz-lhe um exame neurológico completo, e não encontrei nenhuma alteração. Tudo o que se podia ali inferir acerca do seu funcionamento neurológico me dizia que tudo estava bem. Ou seja, só podia concluir que o Duarte estava, inconscientemente, a imitar a sintomatologia do avô, de tal maneira estava perturbado com as circunstâncias que o envolviam. Cautelosamente abordei a mãe nesse sentido, que afirmou que as queixas eram exactamente iguais e que sim, o avô do Duarte era sem sombra de dúvida o seu melhor amigo. Aquele era o melhor diagnóstico que aqueles sintomas poderiam transmitir, uma transferência das queixas do avô para ele próprio, mas mostrava de facto quão doente estava o Duarte. Não fisicamente, essa parte estava impecável, mas o Duarte estava psicologicamente devastado pelo sofrimento, degradação e iminente morte do seu melhor amigo de sempre, o seu avô. Falei com ele, expliquei-lhe que tal como acontecem coisas boas às pessoas sem que elas façam alguma coisa por isso, também acontecem coisas más. Disse-lhe que a culpa do que se passava com o avô dele não era de ninguém, muito menos dele próprio. E expliquei-lhe que o avô precisava agora da ajuda dele, e que a melhor ajuda que ele poderia dar era estar bem, estar forte, e estar perto dele com um sorriso e um beijo sempre prontos. Conversei depois um pouco com a mãe, sobre o que pensava estar a acontecer, e expliquei-lhe que tinha que conversar muito com ele sobre isto, desculpabiliza-lo de toda a situação envolvente, mas que tinha que se manter atenta à evolução da situação e caso as coisas não melhorassem ele tinha novamente que ser observado. Enquanto isto o Duarte tirou sem eu ver uma folha de papel e uma caneta da minha secretária, e fez um desenho. Desenhou uma árvore alta, com um passarinho pequeno num ramo perto da copa, e uma flor no chão ao lado da árvore grande. No final, quando nos despedíamos, ofereceu-me o desenho, com o mesmo sorriso triste com que tinha entrado no gabinete.
A seguir fui jantar, engolindo as lágrimas ao canto do olho (que ainda agora teimam em aparecer), e amaldiçoando-me por ter sentimentos e me deixar afectar tanto pela história do Duarte. Tranportei esta história para a minha, lembrando-me da relação especial que o meu filho tem com os avós (felizmente saudáveis), coisa que já estava mais que avisado ser errado. Mas se não fosse assim, que tipo de ser humano seria eu?
A seguir fui jantar, engolindo as lágrimas ao canto do olho (que ainda agora teimam em aparecer), e amaldiçoando-me por ter sentimentos e me deixar afectar tanto pela história do Duarte. Tranportei esta história para a minha, lembrando-me da relação especial que o meu filho tem com os avós (felizmente saudáveis), coisa que já estava mais que avisado ser errado. Mas se não fosse assim, que tipo de ser humano seria eu?
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Hospital
domingo, 23 de novembro de 2008
Oscar...
... para Oscar Peterson! Dos maiores solistas de piano de sempre. Senão vejam:
Respirem fundo antes deste!
Respirem fundo antes deste!
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Every other sunday Jazz
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Estou dependente
Costumo dizer que o ranho é uma constante da vida das crianças nos primeiros anos de vida... Mas não precisava de ser uma constante da MINHA vida...
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Coisas
sábado, 15 de novembro de 2008
Curiosidade
- (papagueando a mãe) Ele levantava-se, e bebia água, levantava-se e bebia água. E estava sempre a fazer chichi!
- Obrigado Pedro. Agora ficas aí sentado enquanto tratam do mano. Olha, quantos anos tens?
- Oito. Ó Doutor, o meu mano vai cá ficar porque tem a bicha solitária?
- Não, Pedro, o teu mano tem a mesma doença que o teu pai, diabetes.
- Ah... Ó Doutor, aqui eu também vou aprender coisas?
- (sorriso) Sim, Pedro, aqui também podes aprender coisas...
- Hum... Eu gostava de ter um livro desses, onde se aprendem coisas das doenças!...
(a história do mano do Pedro fica para o próximo capítulo)
- Obrigado Pedro. Agora ficas aí sentado enquanto tratam do mano. Olha, quantos anos tens?
- Oito. Ó Doutor, o meu mano vai cá ficar porque tem a bicha solitária?
- Não, Pedro, o teu mano tem a mesma doença que o teu pai, diabetes.
- Ah... Ó Doutor, aqui eu também vou aprender coisas?
- (sorriso) Sim, Pedro, aqui também podes aprender coisas...
- Hum... Eu gostava de ter um livro desses, onde se aprendem coisas das doenças!...
(a história do mano do Pedro fica para o próximo capítulo)
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Hospital
domingo, 9 de novembro de 2008
Daqueles...
... que se gosta de ouvir com os toques do vinil. Gosto muito de bossanova, e há alguns álbuns absolutamente inesquecíveis. A parceria Stan Getz - João e Astrud Gilberto é uma dessas que faz sonhar. Infelizmente desse momento histórico não encontrei registos vídeo. Fica um delicioso "Desafinado" pelo mestre João Gilberto, com o enorme Tom Jobim ao piano... Enjoy!
E assim inauguro o "Every other sunday Jazz", novíssima rubrica quinzenal!
E assim inauguro o "Every other sunday Jazz", novíssima rubrica quinzenal!
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Every other sunday Jazz
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Não devo ser só eu
Sim, tenho a mania de encontrar parecenças improváveis entre as pessoas. Mas vejam lá se não acham que o Ricardo Araújo Pereira vai passar a ganhar mais uns trocos a personificar o Obama? Se consegue ficar parecido com o Valentim Loureiro, este parece-me um esforço menor.
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Coisas
Mais um regresso!
Os médicos bogueiros estão a retornar à blogosfera! Desta vez é o meu amigo Nuno (ex-blues por um interno), que resolveu fundar uma nova casa, Refogado & hortelã. Conhecendo a peça, deve saír coisa boa!! Enjoy!
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Coisas
terça-feira, 4 de novembro de 2008
sábado, 1 de novembro de 2008
Badum Badum...
O António tinha a cara num bolo. Uma infecção da face, consequência de uma ferida na cavidade oral, transformara o seu lado esquerdo. Estava, no entanto, muito bem disposto e sem outros critérios de gravidade. Justificava no entanto colher sangue para análises, e aproveitar a picada para adinistrar antibiótico pela veia. Aí a boa disposição do António modificou-se. Não fez a habitual tourada, era já um menino grande, mas deu asas ao seu lado mais dramático, com muita graça diga-se em abono da verdade. Comentámos aliás a sua veia artística, questinávamos se para o drama ou a comédia. Nisto, duas pessoas pararam à porta da sala de tratamentos, e decidiram dar uma ajuda. Trata-se de um projecto de música nos hospitais, que ciranda pela Pediatria tentando aligeirar o ambiente pesado, aliviando um pouco a pressão de um internamento. O António, surpreendido pelo ritmo, ficou mais calmo. O médico (eu) ficou mais bem disposto, e pôs-se a acompanhar com um "badum badum" de contrabaixo o ritmo jázzico de uma bossanova infantilizada. Todos sorríamos, incluindo o António, que mesmo durante a picada não estrebuchou. Correu tudo bem, e no final dirigi aos músicos um sincero agradecimento. A humanização dos hospitais é essencial, especialmente no contexto pediátrico. E já agora, a humanização do ambiente de trabalho, seja lá ele qual for... Honestamente, fiquei mais bem disposto!
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Hospital
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