segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Da morte

Não era suposto. Ele tinha sido sempre saudável, gostava de comer fruta e ria-se sempre das brincadeiras do pai, por mais que ele as repetisse. Já se punha de pé no berço, agora andava com a mania de se pôr de pé na cama a meio da noite e gritava "mããããããã!!!". E lá tinham os pais que se levantar, para lhe pôr a chucha e deita-lo novamente, teria a prática das novas habilidades que ficar para o dia seguinte. Não era suposto. Tantos velhos, moribundos, a quem a morte não chega nem que eles a chamem pelo nome. E logo ele, de todos ele.
Vim plenamente consciente disto. Escolhi Pediatria, não por gostar de crianças (gosto, certamente), não por serem engraçadas e por serem mais genuínas. Vim porque sei que tenho esta missão, de fazer por tudo para as salvar da morte, e de, até, ajudar a morte a leva-los em paz quando assim tem que ser. Porque nem todas as crianças sorriem, como este sorria, nem todas as crianças correm, como este corria. E também às vezes a morte de uma criança vem como um alívio. Não é só a morte do velhote que sofreu anos a fio que chega como ponto final de um sofrimento arrastado. Ao contrário desse velhote, que conta com uma vida recheada de vivências e acontecimentos, para algumas crianças a vida nunca chega a se-lo. E, para algumas, desejamos que o gesto salvador nunca tivesse sido. Mas sabemos lá... Pois, as crianças também morrem. Também sofrem. Mas sou projecto de Pediatra por essas também, e talvez mesmo (quem sabe do futuro?) para essas que dançam no limbo entre a vida e a morte. E se puder fazer, realmente, a diferença para alguns dormirei tranquilo. Alguém tem que estar cá para elas. Porque ser Pediatra não é (só) ter oportunidade de lidar com crianças, como a alguns (pouco avisados) parece. É lidar com crianças doentes, e nem todas as doenças em pediatria são o ranho e a tosse. Alguns morrem, como este que não vos conto.

Um dia conto-lhe, Dr. MA, como me inspirou a querer ser mais.