Hoje tive um dia de trabalho bastante diferente. Ao invés de fazer exames para a renovação da carta de condução, ou observar a realização das estatísticas de 2004 do Centro de Saúde (e desta forma se resume bem a minha rotina habitual nestas duas semanas), andei a passear de carro, com direito a motorista. Bizarro? Eu explico.
Hoje fui fazer verificações de doença. Ou seja, fui a casa de funcionários públicos sob atestado médico verificar a sua presença no domicílio. Fiquei um pouco assustado ao saber que iria faze-lo, uma vez que trabalho numa área de alguma forma socialmente problemática. Por outro lado, conheço ainda muito mal a cidade onde trabalho, e nomes de ruas não me dizem nada. Já tinha feito o filme todo: ia entrar numa casa com condições degradadas, onde me veria rodeado de gente com armas apontadas para nem me atrever a escrever nos papéis que o visado não se encontrava no domicílio. Ok, sei que parece um pouco dramático demais, mas de facto passou-me pela cabeça que seria talvez um pouco perigoso. Ao fim e ao cabo é um trabalho quase de "policiamento da doença", e há pessoas que não gostam muito de polícias... Fiquei bastante aliviado ao saber que tinha direito a um carro com motorista, apesar de saber que ele não iria comigo ao interior das habitações. Dava, pelo menos, uma falsa sensação de segurança. E fiquei também um pouco mais descansado quando descobri que só faziamos as verificações de doença para funcionários públicos - as probabilidades de me deparar com condições extraordinariamente degradadas diminuiam pelo menos um pouco.
E assim fui, com o dito motorista, no carro do Centro de Saúde de pastinha na mão e estetoscópio ao pescoço - só mesmo para me levarem a sério, não tinha a intenção de ir auscultar ninguém...
A primeira casa era... de uma médica. Toquei à porta, entrei no prédio e subi o elevador. Olhava-me do interior da casa com um ar desconfiado, pijama e robe vestidos. Expliquei o que lá estava a fazer, e escrevi uma nota breve com o motivo sumário para o atestado. Estava com uma depressão grave. A expressão vazia e lágrimas fluentes diziam tudo. Estava seriamente medicada, também. Falei um pouco com ela, escrevi meia dúzia de coisas e vim-me embora. Pelo menos substituiu o olhar desconfiado por um ligeiro sorriso quando me vim embora, afinal o "polícia" tinha sido simpático, e ela estava de facto em casa, e doente.
Apenas duas outras pessoas estavam em casa. Mais duas depressões... Uma delas estava sozinha em casa, uma senhora de 55 anos. Já estava em casa com atestado há largos meses, aguardava junta médica para se reformar. Estava, supostamente, deprimida porque lhe doiam os ossos... Como à população portuguesa inteira. O seu trabalho era de secretária, não exigia esforço físico. Mas quem sou eu para questionar a sua capacidade de trabalho? A única coisa que posso fazer é lamentar-me da quantidade avassaladora de pessoas que "metem atestado" porque é muito cómodo não trabalhar. E há uma quota parte grande de responsabilidade dos médicos que passam os atestados nessas situações... Mais graves ainda são os casos semelhantes em pessoas novas. Mas enfim, consola-me o facto de ser improvável que a junta médica a reforme...
De regresso ao Centro de Saúde, mais uma leva de estatísticas. Não se pode ter tudo, não é?...
quinta-feira, 21 de abril de 2005
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