Eu expliquei bem o que ía fazer... "Tens que te portar bem! Não te vai doer nada, não te assustes... Vou-te por um pano verde na cara, mas a mãe não vai a lado nenhum, fica aí ao teu lado a dar-te a mão!" (e a segurar-te com força, espero).
A Joana tinha caído em casa, onde acontecem a maior parte dos acidentes. A força com que a sua sobrancelha direita tinha batido na esquina da mesa tinha sido suficiente para fazer um golpe com aproximadamente 2 centímetros. Embrulhada em panos sangrentos tinha sido trazida para o hospital, para as Urgências de Pediatria, de onde a referenciaram para a sala de Pequena Cirurgia. Aí estava eu, entre um corte na mão feito por uma serra de peixe e um abcesso malcheiroso para drenar.
Quando entrou já não sangrava activamente, e não se queixava de dores. Mas a sala fria e branca da Pequena Cirurgia, e o meu fato de bloco verde doeram-lhe bastante à entrada, e desatou logo numa berraria (esta vai dar luta). Falei com ela com o meu sorriso 31, dei-lhe a mão, e pouco depois estava mais silenciosa, fungando deitada na maca (isto não vai ser nada fácil...). "Quantos anos tens? Três?" (a pior idade possível...).
Depois de montado o campo esterilizado com todo o material de sutura coloquei o dito pano verde sobre a cara da Joana, com o buraco sobre a ferida. Imediatamente desatou a espernear e a gritar em plenos pulmões. Dois auxiliares de acção médica, um enfermeiro e um colega meu, que já estavam avisados da provável necessidade do uso da "força" seguraram as pernas, os braços e a cabeça, tentando que o meu "campo de trabalho" se mantivesse o mais imóvel possível. A mãe da Joana sentou-se no banco a chorar, largando-lhe a mão, o que só fez com que a Joana se sacudisse com mais força e gritasse mais alto... Tremendo como varas verdes (quem é que gosta de fazer estas coisas às crianças??) dei os dois pontos necessários, entre rugidos, gritos agudos e bastantes safanões (não, nem quatro homens seguram quieta uma criança de 3 anos, desde que ela não queira MESMO ser agarrada...).
Quando acabei, suado como se tivesse estado a pegar um touro, parecia que tinha passado um furacão pela sala de Pequena Cirurgia... Os auxiliares, o enfermeiro e o meu colega, tão suados como eu, massajavam os braços entorpecidos de fazerem tanta força e a mãe da Joana chorava, agora abraçada à filha. Passado algum tempo, enquanto eu preenchia papeladas, as coisas estavam já mais calmas, e a Joana tinha percebido que o fim da tortura tinha chegado. Com o sorriso 32 voltei a falar com a Joana, autora do cenário dantesco que me rodeava, como que fazendo as pazes com ela... Expliquei-lhe que tinha mesmo que fazer aquilo, e ela acabou por perceber. Não se foi embora sem antes me dar um beijinho. Afinal eu tinha parado com as maldades, tinha doido mais no orgulho do que na pele, e eu até lhe fiz um balão giro com uma luva...
E a Joana, afinal, era apenas a primeira criança daquele dia...
terça-feira, 30 de novembro de 2004
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