domingo, 28 de novembro de 2004

A estrada

Fala-se muito sobre as estradas em Portugal, sobre a morte nas estradas, sobre o modo de condução dos portugueses (blog.liberal-social.org). Agora há anúncios na televisão que têm por objectivo chocar, levar aos portugueses um pouco do horror, fazer entrar na casa de cada um o drama vivido na estrada. Não concordo com o formato, mas é uma maneira de fazer as coisas...

Nos hospitais esse drama é vivido de uma forma um pouco diferente, mas igualmente dramática... (sem o piano de fundo)
"Vai chegar um acidentado da Ponte Vasco da Gama!", informa o chefe de equipe. Acorda-se quem fica a assegurar as urgências, quem vai para a "sala de directos" (para onde entram os doentes verdadeiramente emergentes). Felizmente avisaram com alguma antecedência, quase parecia um filme. O mais frequente é simplesmente tocar a campainha dos directos e segue-se a debandada geral. Prepara-se tudo para um acidentado, porque apesar de virem dois um deles entrou cadáver. O "directo" é o "innocent by-stander", regressava a casa depois do turno quando os "Streetracers" o apanharam desprevenido e provavelmente sonolento... À chegada do doente a ansiedade é enorme, e todos os procedimentos necessários se colocam em marcha. Um aluno de Medicina olha de longe, encostado à parede para não atrapalhar, com todos os sentidos alerta. Algumas manobras de reanimação depois e o doente está estabilizado o suficiente para seguir para o bloco operatório. Dois cirurgiões "sénior" e um médico interno, três intensas horas depois, saem enraivecidos e desiludidos (o calo não impede a frustração) por não terem sido capazes de modificar o destino daquele homem. Entraram à partida cientes da baixa probabilidade de sucesso, mas ainda assim investiram tudo o que podiam, porque acreditaram. Mas ao contrário dos filmes acreditar não chega... "Doutor, tem ali a esposa do senhor..." avisa uma auxiliar apreensiva. Dez segundos de conversa acabam num grito agudo que preenche o corredor deserto de acesso ao Bloco Operatório. As Urgências não esperam, e há um baleado a entrar. Parece que foi uma rixa entre traficantes. 24 horas podem ser muito, muito longas...