segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O cheiro

Descrever cheiros é difícil. Os outros sentidos são mais fáceis, racionalizam-se mais. Os cheiros estão lá, e se podemos achar que nos são indiferentes, na verdade tocam-nos em zonas que não controlamos tão bem como a razão - as emoções. Parece bizarro, apesar de cientificamente correcto, mas o olfacto é o único sentido que tem uma ligação directa (anatomica e funcionalmente falando) com os centros da emoção no nosso cérebro. Por isso tocam-nos mais fundo, e de forma menos consciente.


Reentrar no bloco de partos, ou no berçário, dá-me sempre um baque. Cheira a recém-nascido. Não cheira a bebé, isso vem depois. É diferente. E todos os recém-nascidos cheiram mais ou menos ao mesmo, como cheirava o meu. E então quando posso viajo ao dia em que o vi pela primeira vez, de olhos negros bem abertos. "Então és assim, o meu filho", pensei. Estava à espera de amar perdidamente aquele bebé no instante em que ele saíu. Mas na verdade era um desconhecido que ali estava, que eu vi saír da barriga da mãe, que tinha ainda que conhecer. Depois, enquanto ele estudava atentamente as mãos apresentei-me formalmente. "Olá filho. Eu sou o teu pai. Benvindo." Nessa noite deixei-os na maternidade, e em casa demorei a adormecer, imaginando como estaria ele, e como seria o futuro a três. Mas foi só alguns dias depois que realmente caíu a moeda, e que me apercebi que era mesmo pai. E depois foi cada dia melhor, um amar enorme e transbordante, incapaz de estar contido em qualquer conjunto de palavras.

Assim, quando posso, revivo pelo cheiro dos bebés dos outros todos aqueles momentos estranhos, e no entanto tão grandes.