Chamámos o próximo doente. Era um ciganito com 1 ano, muito choroso. Vinha vermelho de tanto chorar, mostrava-se muito irritadiço. A mãe era extremamente obesa e trazia-o ao colo. Infelizmente a mãe não primava pelos hábitos de higiene, e imediatamente o gabinete ficou preenchido por um pesadíssimo odor a "falta de banho". Atrás dos dois vinha o irmão mais velho do ciganito. Teria por volta de 10 anos e trazia na mão uma pistola de água (daquelas grandes ao estilo "super-soaker" - um mito da minha infância). Entrou em pose de guerra, gritando em plenos pulmões. A mãe imediatamente lhe deu uma violenta sapatada na nuca. Apesar de ter ficado impassível, parou de berrar.
O pequenito chorava incessantemente, e a mãe explicou que tinha estado a arder em febre toda a noite. A mãe descrevia de forma extremamente enfática e colorida a tosse do rapaz, usando expressões como "parecia que se virava do avesso"; "pensava que ele morria logo ali!"; "ficou roxo como se morto enquanto tossia, Santo Deus, pensei que se finava ali!". A criança estava de facto muito irritadiça, e quando o tentava auscultar quase só ouvia os seus berros desesperados. Percebi vagamente, no meio do ruido ensurdecedor, que tinha de facto muitas secreções nos pulmões. Entretanto o mais velho começou a disparar água para cima do irmão. Molhou-me também a mim, a mãe deu-lhe uma sova, e todos berravam agora dentro do consultório. O mais pequeno porque estava doente, o mais velho porque estava a levar uma sova e a mãe porque estava a dar uma sova ao mais velho. E eu tentava, no meio de todo este rebuliço, perceber o que se passava com o pequeno. No final da observação tinha concluido que ele tinha uma infecção respiratória e uma otite aguda. Quando o dizemos à mãe esta replica: "Pois, foi o que me disse o médico do SAP!". Conclusão: já tinha ido ao SAP e já estava a fazer antibiótico (tinha começado no dia anterior). Quando perguntámos porque tinha ido então à consulta respondeu: "Era para a Doutora ver se estava bem tratado!"...
Não sem antes eu levar com uma bela borrifadela de água, sairam do gabinete. Atrás deles deixaram a pesada atmosfera, o chão todo molhado e o gabinete num rebuliço de papéis e clips espalhados pelo chão...
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