Hoje o José é o Rei da Pérsia. Está sentado na sua cadeira, grande barriga saliente, espetada na nossa direcção. Assim o intitulamos. Corrige, não é o Rei da Pérsia, isso pensamos nós. É o Presidente dos Estados Unidos. Falta-lhe o ar néscio, mas fingimos acreditar. A mãe do Rei da Pér... perdão, do Senhor Presidente, está sentada na cadeira do lado. Está com um ar bastante deprimido. O marido, constatamos no processo clínico, já não vem à consulta há três anos, o que se passa? Bebe muito, o pai do Senhor Presidente. Bebe demais, bate na mulher e no filho. A outra filha já saiu de casa, namora com um tipo que parece que lhe está a meter um pouco de juizo na cabeça. As drogas duras tiraram-na de casa, parece que o novo namorado a tirou da rua. A mãe está de facto com um ar bastante deprimido. Uma olhadela pelo canto do olho para o processo clínico, percebo que já está a fazer antidepressivos e ansiolíticos em doses simpáticas. O José ri-se, ri-se da Indira Gandhi, que faz perguntas estranhas à mãe sobre os vícios do pai. A personagem que encarna muda consoante a consulta, bem como a da médica de família. Na verdade não são personagens, peço desculpa Senhor Presidente, são a verdade absoluta do momento. O José não é alcoólico como o pai (apesar de já ter passado por isso), nem toxicodependente como a irmã. É esquizofrénico. E a mãe, a mãe do Senhor Presidente (que na última consulta era o Napoleão), mãe da Inês (aquela que talvez se safe por causa do namorado novo, ou talvez não), mãe do próprio marido (que a agride embriagado com a visão toldada pelo álcool, e porque não quando está sóbrio, mas menos...), é deprimida. Não é alcoólica, toxicodependente ou mesmo esquizofrénica. É realista.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005
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