quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

Decisão de Recusar Suporte de Vida Cabe ao Doente

Por JOANA FERREIRA DA COSTA
in Público, Quinta-feira, 17 de Fevereiro de 2005

"Um parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) admite a suspensão dos tratamentos de suporte básico de vida a doentes em estado vegetativo persistente (EVP).
No parecer, concluído na terça-feira e que hoje será apresentado em conferência de imprensa, os peritos clarificam que "toda a decisão de início ou suspensão dos cuidados básicos da pessoa em EVP deve respeitar a vontade do próprio". Ou seja, mesmo quando contraria a vontade da família ou dos próprios médicos, tem primazia o desejo manifestado pelo doente antes de cair neste estado de ausência de consciência. E mesmo quando o doente não manifestou expressamente essa vontade, a recusa de cuidados básicos de vida poder ser manifestada por pessoa de confiança previamente designada pelo paciente.
O EVP surge geralmente em consequência de um traumatismo craniano ou de uma paragem cárdio-respiratória, com profundas consequências a nível neurológico. Os doentes ficam sem capacidade de pensar ou agir conscientemente, mas respiram sozinhos, têm ciclos de sono e vigília normais, por vezes mexem-se, e podem até chorar. Ficam totalmente dependentes, só se mantendo vivos se forem alimentados e hidratados artificialmente.
"São casos diferentes do coma ou da morte cerebral, em que a actividade cognitiva também não existe", afirmou ao PÚBLICO um dos autores do documento e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, Vaz Carneiro.
"Estes são casos clínicos raros, que geralmente resultam em morte ao fim de três anos a cinco anos". Apenas um por cento dos doentes recupera, mas o clínico diz não ter conhecimento, na sua prática médica, de nenhum caso em que o paciente tenha abandonado o EVP.
No parecer - que não é vinculativo, funcionando como uma orientação ética para a classe -, a autonomia do doente prevalece e deve ser respeitada em qualquer caso. Mesmo quando o doente não manifestou expressamente vontade de prescindir dos cuidados básicos de vida, que incluem a alimentação e hidratação artificiais. "Se, como geralmente acontece, não existe uma vontade expressa do doente em EVP sobre o que lhe deve ser feito numa situação deste tipo, devemos tentar adivinhar junto de pessoas que o conheceram qual seria a sua posição sobre este matéria".
Uma tarefa no mínimo difícil, sobretudo se contrariar a vontade da família, mas que deve ser acautelada pelos médicos, admite Vaz Carneiro.

Situação é diferente da eutanásia
O clínico diz que esta situação nada tem a ver com a eutanásia, já que não há vontade do doente em morrer, mas simplesmente de não ver prolongar o tratamento. "Os médicos devem lutar para beneficiar o doente, mas prolongar artificialmente a vida pode tornar-se também um malefício", afirma Vaz Carneiro.
De qualquer forma, frisam os peritos no documento, "não poderão ser aplicadas soluções uniformes às pessoas em EVP, impondo-se uma avaliação criteriosa de cada situação".
O parecer, elaborado também por João Lobo Antunes e António Falcão de Freitas (entretanto falecido), foi votado pelas duas dezenas de membros do Conselho, tendo a definição do que são suportes básicos de vida ou tratamento sido um dos pontos mais polémicos. Acabou por ficar definido que a alimentação e hidratação artificiais são suportes básicos de vida.
A tomada de posição do CNEV foi suscitada por um pedido de um hospital de Lisboa, a propósito de um caso concreto de um doente em estado vegetativo persistente. No documento, os peritos admitem haver uma série de questões que era importante clarificar a nível ético para a generalidade dos casos, frisando a necessidade de uma análise caso a caso."