Não poderia, infelizmente, ter vindo mais a propósito. No dia 1 de Dezembro, dia mundial da luta contra a SIDA, reencontrei o Pedro. Contei-vos em Abril deste ano o dia em que o conheci.
Estagiava na altura no Centro de Saúde, mais precisamente no CDP (Centro de Doenças Pulmonares). Durante o estágio em Medicina Interna (que iniciei em Setembro deste ano) encontrei-o por várias vezes internado no serviço de Infecciologia. Tinha por hábito fumar nas escadas de acesso ao serviço, onde o encontrava muitas vezes com alguns outros doentes. Vi-o também algumas vezes a jogar às cartas e a beber café com o Sergei. Manteve sempre a aparência de criança doente que vos descrevi em Abril, mas conseguia a cada encontro estar mais magro, com as feições mais angulosas. A doença que injectou para dentro de si parecia consumi-lo dia a dia. Umas atrás das outras, as infecções oportunistas que a SIDA faz surgir pareciam consumi-lo com a mesma voracidade com que ele fumava os seus cigarros no corredor.
Mas na quinta-feira passada, dia mundial da luta contra a SIDA, encontrei o Pedro no SO do Serviço de Urgência. Estava magro como não se imagina ser possível, sem músculos que lhe permitissem andar. As pernas e os braços encarquilhados, querendo retomar a posição fetal. A respiração ofegante, o olhar incerto, a linguagem quase imperceptível. Pedia por água, debatia-se com as secreções para conseguir falar. A fralda ajudava a reduzi-lo ao mínimo que pode ser considerado um ser humano. Já tinha por várias vezes arrancado os soros, e tinha por isso as mãos amarradas. Alarguei um pouco as cordas, o suficiente para ele tomar uma posição um pouco mais confortável, mas que não lhe permitisse voltar a arrancar os soros. O Pedro espera pela morte. Oito meses depois de ter ido pelo seu pé à consulta do CDP, poucos meses depois de o ver deambular pelo corredor agarrado ao suporte do soro, o Pedro espera agora pela morte no SO. A SIDA estava a ganhar a luta, no dia mundial da luta contra a SIDA.
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