sexta-feira, 7 de janeiro de 2005

"Esse senhor"

Hoje estive de urgência de ginecologia-obstetrícia. A urgência até foi calma, para começar o ano sabe bem assim... Algumas histórias, no entanto, não podiam deixar de surgir...

É obviamente a especialidade cujas doentes são mais vilipendiadas... "Dispa-se da cintura para baixo, sente-se e ponha uma perna para cada lado. Boa tarde!". É mais ou menos desta forma (caricaturada, ok?) que abordamos as doentes. As queixas são geralmente difíceis de colocar (para as mais pudoradas). Suponho que não seja fácil contar a uma pessoa "sangro da vagina quando tenho relações", "estou com corrimento amarelado e mal-cheiroso", etc... Depois vem o toque ginecológico (ou obstétrico), que envolve sempre um pouco de desconforto (por vezes dor), aparte dos problemas das doentes mais pudoradas. E não me interpretem mal, é perfeitamente normal ter esses pudores!! Para o ginecologista-obstetra trata-se do seu trabalho. É o dia a dia, e é banal. Trivial. Claro que os há mais sensíveis aos pudores, mas no fim de um longo dia de trabalho é difícil para qualquer um fazer um sorriso e demorar meia hora a "quebrar o gelo"...
Outra situação engraçada, também relacionada com os pudores, surge quando as mulheres se colocam na marquesa de observação ginecológica com a roupa interior vestida. Sim, isso acontece... Temos depois que explicar com calma que "vai mesmo ter que tirar as cuecas, D. Ana"...
Uma das doentes de hoje estava grávida de 8 semanas, e tinha umas pequenas perdas de sangue. Depois de a obstetra e eu lhe fazermos algumas perguntas, dirigiu-se para a marquesa de observação ginecológica. Despiu-se atrás da cortina, e sentou-se na bordinha da marquesa, de pernas fechadas, coberta com um lençol, e com um ar enfiado. A médica disse "vai ter que se deitar e por aqui as pernas, ok?". Corou da ponta dos cabelos aos dedos dos pés e disse a frase que marcou o ponto alto do meu dia (de um ponto de vista tragi-cómico): "Esse senhor vai ficar aí?", olhando para mim. Tive vontade de lhe explicar que a vulva dela era a trigésima que eu via nesse dia, e a vagina a vigésima que eu ia tocar, que eu estava ali a fazer o meu trabalho, e longe de mim estava a ideia de encarar aquele momento como algo de sexual (coisa que definitivamente não é...). "Eu sou médico, minha senhora", disse-lhe com um ar descontraído. Ela, cheia de vergonha, colocou-se na posição, e seguiu a observação.


Vários casos interessantes me passaram hoje pelas mãos, mas deixo a sequela deste post para o fim-de-semana...