Urgência de Ginecologia/Obstetrícia, 16h00. Chamámos através da porta o nome da próxima doente. Entrou, sentou-se, e nós começámos as perguntas habituais. Tinha 30 e poucos anos, era mãe de dois filhos - o mais novo com 3 anos. Não estava grávida, veio por outros motivos. O motivo que a trouxe já se arrastava há pelo menos um ano. Não tinha surgido nada de novo, continuava a ser o mesmo problema. Estava bastante relutante em contar que tipo de problema se tratava, e foi com dificuldade que nos disse: "É que saem fezes da minha vagina. Saem quando estou na casa de banho, pelo ânus e pela vagina, e saem também ao longo do dia.". Pergunta óbvia, perguntámos porque é que nunca tinha dito isso a nenhum médico. Disse-nos que "Não sabia se era normal isso acontecer... Hoje calhou em conversa com a minha mãe, e ela disse-me que achava que não era normal e que era melhor vir ao hospital...". O mais provável era estarmos em presença de uma fístula recto-vaginal (orifício de comunicação entre o recto e a vagina). Os partos dos dois filhos tinham ambos sido cesarianas, pelo que não poderiam ser responsáveis pela fístula. Contou-nos mais tarde que tinha vindo uma vez há urgência há mais de um ano, a propósito de uma relação sexual traumática. Durante uma relação sexual tinha começado a sangrar abundantemente, pelo que veio à Urgência. "Agora que penso bem, até foi um bocado depois disso que me começaram a sair fezes pela vagina...", disse-nos. Deitou-se na marquesa de observação, e confirmámos o diagnóstico . Havia de facto um orifício com cerca de um centímetro de diâmetro que colocava em comunicação a vagina e o recto. A solução do problema seria cirúrgica, e ficou imediatamente referenciada para a consulta de Ginecologia.
Mais do que a presença da fístula, abismou-nos a dúvida da senhora: "Será normal?". E com isto conviveu durante mais de um ano, provavelmente com vergonha de perguntar a alguém aquilo que se andava a perguntar a si própria: "Será normal?"...
domingo, 16 de janeiro de 2005
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