quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Morrer na praia

Passando visita ao serviço de urgência, fui ficando a par dos casos que aguardavam resolução. Nos quartos estavam duas mulheres para curetagem, e nas salas de dilatação estavam duas grávidas. Numa sala estava uma grávida de termo: fizemos o toque ginecológico e estava já com a dilatação do colo uterino bem avançada, quase pronta para parir. À porta da outra sala parámos. Espreitei e vi uma gravida bem grávida, com ar de grávida de termo. Não entrámos logo, e os colegas que saiam de banco puseram-nos a par da história.

A Helena e o marido pretendiam ter um bebé. Foram à consulta de planeamento familiar, e a páginas tantas a Helena finalmente engravidou. Seguiu adequadamente a gravidez no seu médico de família e fez as análises laboratoriais e exames ecográficos adequados. Não houve nenhuma intercorrência durante quase toda a gravidez. Estava já a ser seguida nas consultas de obstetrícia do hospital, aproximavam-se as 36 semanas. Tinha ouvido todas as recomendações e os sinais de alarme a que deveria atentar para recorrer à urgência. Na véspera a Helena tinha sentido um desses sinais de alarme: não tinha sentido movimentos fetais. Foi, como recomendado, à urgência. Aí verificou-se o pior cenário. Não havia batimentos cardíacos fetais. O bebé tinha morrido.

A Helena estava, às 36 semanas de gravidez, deitada na sala de dilatação à espera de parir um feto morto. Olhos no tecto, esperava pelo amolecimento, encurtamento e dilatação do colo. Tal e qual como a grávida da sala ao lado. Sabia que ia ter que respirar como lhe tinham ensinado nas aulas de ginástica pré-parto, que teria que fazer força, que teria que sofrer. Tal e qual como a grávida da sala ao lado. Mas sabia, ao contrário da grávida da sala ao lado, que não iria ouvir o tímido gemido do bebé que respira pela primeira vez. Aquele bebé nunca iria respirar. 36 semanas depois.