quinta-feira, 9 de dezembro de 2004

As "Cubas"

Correndo o risco de criar polémica, hoje venho falar do desespero.

Como médico tenho a perfeita noção que a o meu trabalho não é curar as pessoas. A maioria dos doentes têm doenças incuráveis. O que não quer dizer que não sejam tratáveis! Podemos minorar aspectos mais desagradáveis das doenças, podemos até faze-las passar despercebidas, mas a grande maioria das vezes não curamos.
Para além das doenças mais habituais como a hipertensão, a diabetes, a hipercolesterolémia, etc, que podemos medicar e controlar mas nunca curar, um dos melhores exemplos é "o cancro". Quando vejo na televisão, nos jornais ou na boca das pessoas a expressão "a cura para o cancro", não posso evitar um sorriso amarelo. É verdade que, através do diagnóstico precoce e terapêutica adequada, é possível que um indivíduo não volte a ter manifestações de uma neoplasia, não digo que não (e cada vez mais, felizmente, a ciência encontra modos de o fazer). Mas se medirmos a taxa de sucesso exclusivamente em termos de "curas" a longo prazo consideramo-nos muito pouco eficazes... Congratulamo-nos com a manutenção da qualidade de vida durante mais tempo, se possível durante vários anos, e com a manutenção da doença num estado controlado.
Outro exemplo é a tetraplegia ou a paraplegia. Quando há lesão da medula espinhal a um determinado nível deixa de haver comunicação entre o cérebro e as zonas inervadas pela medula abaixo dessa lesão. Esta lesão é (pelo menos no que a actual tecnologia permite) irreversível. É possível por vezes recuperar uma pequena função, mas nunca nada de extraordinário. Por muito que se trabalhem os músculos das pernas o cérebro nunca mais será capaz de ter controlo sobre o seu movimento porque, pura e simplesmente, não consegue fazer com que chegue lá informação. A "auto-estrada" está cortada e não há estradas alternativas...
A verdade é que passamos a vida a ouvir falar de tratamentos miraculosos quer para a tetraplegia quer para o cancro. Há sempre pessoas a ir para Cuba fazer tratamentos e para outras "Cubas" fazer terapêutica experimental. Ouvem-se frequentemente queixas de falta de apoios do Sistema Nacional de Saúde para que as pessoas se possam deslocar a essas "Clínicas"... Não se trata de ciúmes relativamente aos países que possuem essas tecnologias maravilhosas: é que quando nenhum benefício está demonstrado dessas terapêuticas não se podem investir milhares de euros... Porque a maior parte dessas situações são movidas pelo desespero. Atenção: esse desespero é perfeitamente legítimo, não me interpretem mal! É muito difícil para qualquer um ouvir a frase "não há nada que possamos fazer para além de tentar manter um nível adequado de qualidade de vida". Sabe a pouco, naturalmente... Mas a medicina não é perfeita...
Felizmente vivemos num país em que a saúde (pelo menos por enquanto) pretende chegar a todos de uma forma igual... Ninguém fica a morrer à porta de um Serviço de Urgência por não ter dinheiro para pagar tratamentos ou por não ter um seguro de saúde adequado! O que acontece, por exemplo, nos EUA. E nenhum tratamento com benefício comprovado é recusado, ponderados os riscos e benefícios da sua aplicação.