Antes da história propriamente dita, uma advertência importante! Eu não pretendo com este post contestar a veracidade de toda e qualquer dita "medicina alternativa" ou "medicina complementar". Pretendo contar apenas um caso que por si só aconselha a cuidados redobrados quando lidamos com este tipo de "terapêuticas".
Naquele dia eu ia assistir às consultas de Cirurga Plástica. Estava bastante satisfeito, visto tratar-se de uma área pela qual nutro algum interesse. A consulta foi muito variada, podendo ter oportunidade de observar patologias bastante diversas, das mais simples às mais complexas. O cirurgião que estava a dar as consultas foi, a um determinado momento, chamado por um enfermeiro ao corredor de acesso aos gabinetes. Pediu-me para esperar um pouco dentro da sala e saiu com o enfermeiro. Dois minutos depois voltou, com um ar constrangido, e pediu-me para o seguir. Tinha sido chamado a propósito da presença de uma doente que ele tinha seguido há algum tempo na consulta.
Cerca de dois anos antes essa doente tinha ido à consulta dele com um polipo no palato ("céu da boca"), polipo esse que ele removeu e mandou para a anatomopatologia (especialidade médica que, entre outras coisas, se dedica à observação ao microscópio de "partes do corpo"). O resultado do exame anatomopatológico foi tranquilizador - tratava-se de uma lesão benigna. A doente ficou referenciada para uma consulta seguinte. No entanto, chegada a data dessa consulta, o polipo tinha voltado a aparecer. Essa recidiva foi tratada da mesma forma, sendo removida cirurgicamente - desta vez com bordos de segurança mais alargados (isto significa que além do polipo foi retirado tecido aparentemente são em seu redor, como margem de segurança). O resultado da anatomopatologia não foi tão feliz como da primeira vez: havia algumas alterações no tecido (apesar de não se tratar ainda de uma lesão maligna), mas as margens de segurança estavam "limpas". Marcada nova consulta, nova recidiva do polipo, desta vez com maiores dimensões. Mais uma vez foi removido, com margens de segurança ainda mais alargadas, para evitar nova recidiva. A anatomopatologia foi, desta vez, conclusiva: tinha evoluido para uma lesão maligna. Mas, mais uma vez, a margem de segurança retirada era perfeitamente normal, o que era tranquilizador. No entanto, e em face das repetidas recidivas, a consulta seguinte foi marcada com bastante proximidade. No entanto a doente faltou a essa consulta, e nunca mais tinha contactado a central de consultas no sentido de marcar nova data de consulta.
Até esse dia. Tinha passado um ano desde a última cirurgia, durante o qual a doente esteve ausente da consulta (apesar de plenamente ciente da gravidade da sua patologia). Aborrecida com a medicina dita "convencional", tinha frequentado durante o último ano as "consultas" de um indivíduo que acreditava (?) que determinados venenos naturais seriam capazes de debelar o cancro. A doente tinha passado um ano a levar picadas semanais de escorpião... Infelizmente tinha surgido novamente uma lesão polipóide, que tinha sido intensivamente "tratada" com as picadas de escorpião (alguma teoria de oposição entre os trópicos de "cancer" e "scorpio"?!).
O motivo do seu regresso à consulta era simples de compreender: a lesão tinha aumentado progressivamente de dimensões ao longo desse ano, e agora, estranhamente, parecia ter aparecido um sintoma novo - um dos olhos parecia mais saliente que o outro. Feitos os adequados exames imagiológicos (TAC) apercebemo-nos que a lesão tinha progredido de uma forma absolutamente irreversível: havia invasão das fossas nasais, dos maxilares superiores bilateralmente e também de uma das cavidades orbitárias (por trás do olho mais saliente). Havia metástases nos gânglios do pescoço, e provavelmente também distantes do local de origem do tumor. Havia muito pouco que se pudesse fazer por ela, além de oferecer terapêutica paliativa... e esperar pela morte...
segunda-feira, 13 de dezembro de 2004
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