A D. Deolinda e o Sr. José iam à consulta todos os meses. Muitas das vezes não tinham nenhuma queixa nova, mas era para eles imperativo ir ao seu Médico de Família pelo menos uma vez por mês.
A maior parte das vezes ia a D. Deolinda sozinha. Quando ela lá ia sozinha fazia o seu rol de queixumes habituais das doenças e adicionava-lhes os queixumes em relação ao seu marido. "Doem-me os ossos, sôtor, da cabeça aos pés! E a cabeça?! Nem faz ideia, os medicamentos do costume já não fazem nada! O homem moe-me o juizo, sôtor, está velho! Não faz nada certo! Sabe o copinho de vinho que o sôtor lhe disse que podia beber em cada refeição? Pois já é quase uma jarra cheia! Ele não lhe diz nada, esconde tudo! E ainda ontem se pôs a comer jaquinzinhos fritos de petisco no café da Almerinda, e o sôtor que lhe tinha dito que não podia por causa do Castrol... Faz tudo trocado!". Então e hoje vem cá por quê, D. Deolinda? "Preciso que me passe aqui as coisinhas do costume... Este, da caixa verde, é para a tensão. Faz-me azia, sôtor, não há um mais fraquinho? A tensão tem andado tão boa, aí nos 15/9, que eu vou à farmácia dia sim dia não. Depois este da cabeça... Dá-me conta dos rins, acho que foi desde que comecei a tomar este que me doem mais as costas!". Mas D. Deolinda, a senhora toma esse há dois meses e doem-lhe as costas há mais de dez anos! Além disso essas dores não são dos rins... "Não me diga isso sôtor, são os rins que eu sinto-os! Doi-me aqui mesmo... Aqui! O que me faz bem é aquela injecção do rémos ou lá o que é que me deu aí há uns tempos!".
Quando ia lá com o Sr. José as coisas eram diferentes mas não muito... Então Sr. José, vamos fazer umas análises? Nem o Sr. José acabou de abrir a boca é atropelado: "Estás a ver? Agora é que são elas! Deve estar tudo uma desgraça! Sôtor, ele não faz nada do que é suposto! Conta lá ao sôtor o que é que comeste ao almoço? Eu fiz batatinhas fritas para a minha neta olhe, comeu-as todas! Carregadinhas de sal, veja lá, achei que o homem me morria na sala quando se começou a agarrar ao peito!". "Pudera, mulher, e és tu que me matas!". Seguia-se uma pequena discussão a que o "sôtor" tratava de cobrar termo, depois da qual vinha um pouco mais do mesmo. E o Sr. José e o médico entreolhavam-se, enquanto a D. Deolinda continuava a sua lista infindável de queixumes relativos às doenças, às curas e ao Sr. José...
Pode parecer maldade, mas lembrei-me de descrever estes "doentes tipo" da Clinica Geral depois de ouvir a minha mãe a queixar-se da falta de cumprimento do meu pai em relação às alterações alimentares que as doenças impõem... Quantos de vocês se lembraram automaticamente dos "velhotes" que conhecem por aí? Espero pelos comentários ansiosamente!
domingo, 12 de dezembro de 2004
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